Uma investigação que contou com relatos do capitão do barco de migrantes, registos da guarda costeira grega e outros dados, sugere que as autoridades helénicas negligenciaram a assistência e foram responsáveis pelo naufrágio de uma embarcação pesqueira, a 14 de junho, com 500 pessoas a bordo.
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A análise contou com testemunhos de sobreviventes, relatos do capitão do barco, registos da guarda costeira da Grécia, trajetórias de voos, dados de tráfego marítimo, imagens de satélite e outras fontes. O cenário descoberto pela investigação indica a hipótese de o naufrágio ter ocorrido após duas tentativas de reboque feitas pelas autoridades gregas, que negam a ação.
O barco de migrantes terá começado a movimentar-se em direção ao Oeste após encontrar a única embarcação enviada pela guarda costeira grega. De acordo com sobreviventes, os helénicos terão dito que os levariam para Itália – contradizendo a versão oficial de que a traineira lotada começou a navegar para o Oeste de forma autónoma.
Três sobreviventes que estavam no convés inferior descreveram a sensação de impulso para a frente "como um foguete", apesar de o motor da traineira estar desligado. Outra testemunha referiu que ouviu gritos sobre uma corda colocada pelo "Exército grego". "Sinto que tentaram empurrar-nos para fora das águas gregas para que a sua responsabilidade terminasse", ponderou um sobrevivente, citado pelo jornal britânico "The Guardian", após ver o mapa dos eventos do estudo.
A investigação, que recriou a noite do desastre com um modelo tridimensional, foi feita pela Forensis, agência alemã que investiga violações de direitos humanos. Participaram também da investigação o "The Guardian", a estação pública alemã ARD/NDR/Funk e o órgão investigativo grego "Solomon".
Câmaras apagadas e telemóveis confiscados
O episódio, que matou 82 pessoas e deixou cerca de 500 outras desaparecidas, teve poucas evidências em imagens. As autoridades terão confiscado os telemóveis de diversos sobreviventes. Já a embarcação da guarda costeira helénica, com o nome de 920, não utilizou as câmaras térmicas instaladas para gravar a operação. O barco grego foi 90% financiado pela União Europeia para aprimorar as ações na Grécia da agência que lida com as fronteiras e costas do bloco, a Frontex.
A Frontex tem criticado a atuação grega em diversos casos de imigração irregular. A agência europeia afirma que Atenas ignorou uma oferta de ajuda no dia do naufrágio, após ter alertado as autoridades helénicas e vigiado o navio durante dez minutos. Sobre a hipótese da Frontex deixar a Grécia, o ministro das Migrações, Dimitris Kairidis, citado pela agência Lusa, considerou a situação "inconcebível" e "um tiro no próprio pé".
O 920 partiu de Chania, na ilha de Creta, cerca de 150 milhas náuticas (277 quilómetros) de onde estava a traineira – apesar de outros barcos gregos capazes de participar na operação de resgate estarem mais perto, em locais como Patras, Calamata, Neápolis e Pilos. A embarcação helénica recebeu ordens para localizar o barco pesqueiro por volta das 15 horas locais (13 horas em Portugal continental) de 13 de junho, encontrando-o apenas perto da meia-noite. (22 horas)
Tanto a guarda costeira como a Frontex fizeram fotografias aéreas da traineira na manhã daquele dia 13, mas nenhuma operação de resgate ocorreu, pois, segundo os gregos, a embarcação com migrantes recusou assistência. As autoridades receberam uma mensagem de socorro urgente apenas perto das 18 horas locais (16 horas), através da linha de emergência Alarmphone.
Dois sobreviventes apontaram também a presença de homens com máscaras que prenderam uma corda no barco. Uma equipa de operações especiais conhecida por KEA terá participado da ação no 920, de acordo com registos do navio. De acordo com fontes da guarda costeira ouvidas pelo "The Guardian", a KEA é utilizada em situações de risco, como suspeita de tráfico de drogas ou armas. A presença da equipa sugere que o motivo da intercetação seria apenas por questões de segurança.