A um mês de uma eleição presidencial inédita entre dois candidatos social-democratas, Sandra Torres e Bernardo Arévalo, Guatemala vive na incerteza após sucessivas decisões judiciais que colocam em risco o sistema democrático, segundo analistas e diplomatas.
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Recursos judiciais de partidos de direita que perderam a primeira volta de eleições, a 25 de junho, e uma polémica desabilitação do partido de Arévalo (anulada um dia depois), o Semilla, obscureceram a campanha para a segunda volta a 20 de agosto, para além de um mandado de prisão a uma aliada do candidato.
Para a analista Marielos Chang, Guatemala vive uma situação sem precedentes desde que o país voltou a ser democrático, em 1985, após três décadas de ditaduras militares.
"Isto é algo que não víamos em nenhum outro processo [eleitoral]. Não é uma segunda volta normal como temos noutros processos [desde 1985], será um segundo turno muito turbulento", admitiu a cientista política da Guatemala à AFP.
O chefe da missão eleitoral da Organização dos Estados Americanos (OEA), ex-chanceler paraguaio Eladio Loizaga, disse na quarta-feira ao Conselho Permanente da organização que "o abuso de instrumentos jurídicos por parte de atores insatisfeitos com os resultados introduziu um alto grau de incerteza no processo eleitoral e pôs em risco a estabilidade democrática do país".
"O que está a acontecer na Guatemala afeta todos, mina os nossos compromissos com a Carta Democrática [Americana] e, mais importante, silencia as vozes do povo, que merece eleger seus próprios líderes", disse ao Conselho Permanente o embaixador dos Estados Unidos na OEA, Francisco Mora.
"Mais conflitos"
O vencedor da segunda volta substituirá o presidente Alejandro Giammattei, que deve fazer a transição de poder a 14 de janeiro de 2024, pondo fim a 12 anos de governos de direita.
Arévalo foi a surpresa da primeira volta, dado que estava em oitavo lugar nas contas anteriores. Até aquele dia, era um desconhecido para milhares de guatemaltecos, mas o discurso anticorrupção parece conquistar eleitores nas urnas, o que deixa desesperados alguns dos adversários políticos.
A 12 de julho, o juiz Fredy Orellana desabilitou a candidatura do partido Semilla, a pedido do procurador Rafael Curruchiche, que acusa o partido criado em 2017 de irregularidades no registo de filiados.
A decisão do juiz retirou Arévalo da disputa eleitoral e foi altamente polémica, já que a própria lei guatemalteca estabelece que "um partido não pode ser suspenso após a convocação de uma eleição e até que ela seja realizada".
O mesmo juiz emitiu esta semana um mandado de prisão contra Cinthya Rojas, líder do Semilla, que levou Arévalo a denunciar uma "perseguição política" contra o partido.
"Os níveis de conflito" podem aumentar se "mais mandados de prisão contra outros membros" do Semilla continuarem, alertou Chang.
Poucos dias depois do primeiro turno, nove partidos derrotados denunciaram uma suposta fraude na contagem dos votos. A Justiça determinou uma nova apuração, que confirmou os resultados.
Todas essas manobras obrigaram Arévalo e Torres a atrasar o início da campanha eleitoral por mais de duas semanas.