As forças russas cercam há dias a maior estrutura ucraniana, em Zaporizhzhia, depois de o controlo de Chernobyl ter feito aumentar os níveis de radiação
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A guerra na Ucrânia pode causar um desastre nuclear de proporções semelhantes ou maiores aos de Chernobyl, em 1986, ou de Fukushima, em 2011. Os especialistas temem que um míssil desgovernado ou uma simples falha de energia possam provocar o desastre, uma vez que o conflito tem decorrido nas imediações de Chernobyl, tomada pelos russos a 25 de fevereiro, e de Zaporizhzhia, a maior central nuclear ucraniana, cercada há dois dias.
"Mais preocupante que o controlo de Chernobyl pelos russos são as centrais que estão a funcionar", explicou Luís Neves, ao JN. O perito que representa Portugal no Euratom (Comunidade Europeia da Energia Atómica) considera que "por uma questão de segurança, o melhor seria desligar todas as centrais na Ucrânia". Porém, "cerca de metade da produção elétrica do país é de origem atómica e isso poderia causar outros problemas" à Ucrânia.
Em Chernobyl, o núcleo que entrou em fusão e explodiu, há quase 36 anos, foi encapsulado num "sarcófago" de betão praticamente indestrutível, pelo que, segundo os especialistas, só um ataque direcionado e de elevada intensidade poderia causar problemas maiores. O aumento dos valores de radiação no dias em que as tropas russas atravessaram a zona, que o regulador da energia nuclear ucraniano (SNRIU) atribuiu à trepidação no terreno, "será um efeito localizado e sem relevo especial", segundo Luís Neves, que nota, porém, que "não temos medições independentes de entidades externas que nos assegurem da veracidade do que vem sendo relatado".
No caso das centrais nucleares em funcionamento, das quais a maior - Zaporizhzhia, com seis dos 15 reatores do país - tem estado cercada nos últimos dias, a preocupação é maior. "Basta um míssil desgovernado para termos outro "Chernobyl" em mãos. É extremamente arriscado e convém lembrar que a radioatividade não conhece fronteiras, espalha-se pelo mundo todo", alerta o professor catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra.
A Agência Internacional de Energia Atómica está preocupada e dirigiu uma carta às autoridades russas, apelando ao cuidado com a segurança e vigilância dos níveis de radioatividade das centrais em funcionamento. Na terça-feira, os dados de monitorização de Zaporizhzhia estiveram desligados e de Chernobyl chegam relatos de "pessoal obrigado a fazer turnos consecutivos, o que põe em risco a segurança do local e do público". A Sociedade Nuclear Americana está, inclusive, a ver se consegue enviar material para ajudar os trabalhadores das centrais ucranianas, alertando que "os trabalhadores têm de poder descansar entre turnos, ir a casa e ter a paz de espírito quanto à segurança das suas famílias". A Ucrânia pediu à agência que declare uma zona de segurança de 30km em torno das quatro centrais ativas.