A guerra na Ucrânia e a desordem mundial gerada aos mais diversos níveis, aliada a problemas que já vinham de trás com a pandemia e crises económicas, domina o segundo dia de debate no fórum de La Toja, que decorre numa ilha silenciosa e pacífica nas Rías Baixas, Galiza.
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Crise histórica no setor energético, a necessidade de encontrar soluções de independência e segurança de fornecimento, face à dependência do gás russo, a luta contra os também históricos indicadores de inflação e a urgência da cibersegurança são temas em cima da mesa. Pelo meio, um diálogo (já tradicional no fórum galego) entre os ex-presidentes do governo espanhol, Felipe González e Mariano Rajoy, que à partida não escapará à temática central da invasão russa à Ucrânia.
Josep Piqué, presidente do fórum La Toja, pugnou esta sexta-feira para que aquele evento possa indicar caminhos, por via de alianças pacíficas.
"Tentamos que este fórum dê algumas respostas, mas a principal conclusão de caráter geral [que se pretende] é que, quando estamos perante problemas tão sérios e que afetam tão gravemente os cidadãos, o confronto pelo confronto, a divisão e o enfrentamento, não nos levam a lado nenhum", declarou ao Jornal de Notícias. "Há que procurar acordos, sobretudo a longo prazo, porque os nossos problemas não duram quatro anos ou não dependem de um governo determinado, mas vão afetar-nos durante muito tempo", referiu.
Josep Piqué disse ainda que os problemas que o mundo enfrenta atualmente "não resultam só de uma guerra que tem a sua origem num agressão completamente ilegal da Rússia à Ucrânia, mas também numa pandemia que teve e ainda tem umas consequências muito complicadas". Continuou indicando que se somam ainda "crises económicas muito profundas nos anos 2008 e 2011, com a crise da dívida e do euro, que afetou principalmente a Portugal e Espanha".
"Estamos perante uma situação muito complicada e não há soluções simples. Há problemas muito complexos e, por isso, é preciso debatê-los a fundo, com rigor e seriedade, como tentamos fazê-lo neste fórum", afirmou, aludindo a um dos temas debatido esta quinta-feira, a crise energética.
"Temos condições objetivas para fazer frente a uma situação crítica. Felizmente, temos fontes de fornecimento muito diversas e também há que ter conta que não podemos pretender é utilizar situações excecionais para mudar permanentemente as regras dos jogo", comentou, concluindo: "Faz sentido aplicar soluções num determinado momento, mas no fim o que acaba por funcionar é o mercado e que a oferta e a procura se adequem rapidamente".
O dia começou com um debate sobre a necessidade de autonomia e segurança energética na Europa, em que operadores do mercado ibérico deram conta que se "cruzaram todas as linhas vermelhas" no setor, com a pratica de preços "estratosféricos, nunca vistos e imaginados" e também porque "nunca um gasoduto tinha sido atacado em toda a História". Defenderam como saída para a crise, que tornará difíceis os próximos invernos em alguns países europeus, devido ao custo da energia e à dependência do gás russo, a aposta nas renováveis como o hidrogénio verde.
E, do ponto de vista mais amplo, que a União Europeia, conquiste a sua independência energética, acelerando uma política comum assente em três pilares: luta pela descarbonização, segurança no fornecimento e preços.
"A UE está a começar dar passos de política energética comum. Há que tentar que os 27 aprendamos a regular uma política comum e, claro que as empresas têm de se por em acordo para ter uma visão de conjunto", disse Antonio Llardén, presidente Enagás, uma empresa espanhola de energia e operadora do sistema de transporte europeu, que detém e opera a rede de gás do país.
"Ninguém estava especialmente preocupado com uma independência que cada vez se ia tornando mais importante", referiu Carmen Becerril, presidente do OMIE, operador de mercado elétrico para a gestão do mercado de eletricidade na Península Ibérica, que apresentou no fórum três capas do jornal The Economist onde "a ameaça da Rússia se manifestava desde 2006, quando a dado momento decidiu cortar o fornecimento de gás praticamente durante um mês".
"Nesse momento a dependência era de 34,9%. Em 2013 continuou a incrementar-se. Entretanto, a Rússia entrou na Crimeia e aparece no The Economist como insaciável", descreveu, referindo que já nessa altura a dependência poderia ter chegado aos "52,3%". "Agora estamos a falar em reduzir pelo menos 15% do consumo como modelo de garantir o fornecimento que neste momento está em risco", disse Carmen Becerril, comentando que a crise do gás com a Rússia "era uma morte anunciada".
Josep Borrel, vice-presidente da Comissão Europeia, que está a assistir ao fórum como convidado, foi chamado a intervir durante o debate, reconheceu que, no que toca ao setor, a "Europa tem um problema estrutural que agora emergiu". Procurou "energia barata em grandes mercados abertos [China e Rússia] e, face à nova realidade, tem de "construir a sua segurança energética". "Pusemos demasiados ovos em cestas que não eram seguras", resumiu.
Esta tarde, Carlos Costa, ex-governador do Banco de Portugal, participará numa mesa de debate sobre a luta contra a inflação.