Tanto ajudam os russos quanto os ucranianos. São naturais da Chechénia com perspetivas diferentes sobre o papel do regime de Vladimir Putin num passado recente. Os mais novos alinham pelo Kremlin. Os mais velhos apoiam Kiev.
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A memória é um instrumento poderoso se for bem usado. Permite-nos acumular conhecimento e nunca mais o esquecer, usando-o nas alturas certas. A memória serve para resumir um dos muitos pormenores da guerra na Ucrânia e, talvez, um dos mais curiosos. Há chechenos a combater lado a lado com o exército ucraniano, algo singular, visto que a Chechénia é uma província russa. Mesmo sendo inesperado, a memória ajuda a explicar tudo.
Nos anos 90, houve duas guerras devastadoras na Chechénia. A província queria ser independente, mas a Rússia tinha outros planos. Apesar de a primeira guerra ter sido uma derrota para os russos, quando Vladimir Putin se estreou como presidente, uma das primeiras missões em que se focou foi certificar-se que tirava as ideias independentistas da mente dos chechenos.
Aquela missão foi cumprida com sucesso, mas Putin tinha mais planos para o futuro e a memória estava no centro das intenções. Após o segundo conflito bélico, a Rússia proibiu que a versão oficial da guerra, em que milhares de chechenos morreram e a província ficou praticamente destruída, fosse ensinada nas escolas. Ao invés, vingou uma versão oficial segundo a qual a Rússia era a salvadora. E assim foi lecionada a História reescrita às crianças, que ficaram com essa teoria na memória.
No entanto, os jovens adultos que assistiram a todas as atrocidades cometidas pela Rússia na Chechénia, tinham algo bem diferente na memória. Sabiam quem tinha invadido as suas casas e quais as verdadeiras intenções russas.
Em 2014, quando a Rússia anexou a Crimeia e invadiu a região do Donbass, vários chechenos juntaram-se ao exército ucraniano. Apesar de surpreendente, a memória tornou mais vivos os episódios que experienciaram em casa e decidiram opor-se a mais uma invasão protagonizada por Vladimir Putin. O mesmo aconteceu em 2022, quando os russos invadiram a Ucrânia.
No entanto, há também a outra fação. Liderado por Ramzan Kadyrov, o batalhão conhecido como "kadyrovites", informou, através do Telegram, que estava na Ucrânia a combater lado a lado com as tropas de Vladimir Putin, espalhando assim o medo, devido à "fama" destruidora que possuem.
Pode parecer confuso haver chechenos a combater pelos dois lados da barricada, mas a memória natural, aquela que foi vivenciada, ou a memória artificial, que foi incutida, é a responsável pela situação.