
Caixão com vítima do naufrágio ao largo da Líbia
Guglielmo Mangiapane/REUTERS
Dias depois de um naufrágio que poderá ter causado mais de 200 mortos, alguns do imigrantes resgatados relataram os horrores vividos durante a travessia. Cinco alegados traficantes foram detidos.
"Testas marcadas com facas para os africanos que não obedeciam a ordens" e "pontapés e murros na cabeça" estão entre os relatos que deixam poucas dúvidas quanto à culpa dos traficantes pela morte de centenas que se terão afundado com a embarcação, segundo o diário italiano "La Repubblica".
Quando o barco começou a ter dificuldades, os traficantes fecharam os imigrantes de etnia africana num compartimento do barco e ordenaram aos de outras etnias que se sentassem em cima das portas, para os impedir de sair.
Quando a embarcação se afundou, "os cerca de 200 imigrantes africanos trancados tiveram um fim horrível", relata o jornal.
Graças aos testemunhos, as autoridades italianas prenderam cinco suspeitos, dois argelinos e três líbios.
"Muitas pessoas morreram", afirmou à agência Lusa Regina Catrambone, que juntamente com o marido gere a organização não-governamental Migrant Offshore Aid Station, que opera um navio que participa na ajuda às embarcações com migrantes.
"Estávamos a 50 milhas náuticas (cerca de 93 quilómetros) da zona, por isso não fomos o navio identificado para realizar o salvamento", em que participaram "três navios governamentais, dois italianos e um irlandês", e "uma embarcação dos Médicos sem Fronteiras".
Regina Catrambone acrescentou que a sua embarcação chegou "muito mais tarde", tendo imediatamente lançado 'drones' (aviões não tripulados) para tentar localizar as "muitas pessoas desaparecidas".
A frequência destes desastres não está a aumentar "porque estas pessoas querem ir de férias", afirma, mas porque "quantos mais desastres acontecem" nos seus países de origem, "mais as pessoas se dirigem à costa para tentarem fugir", o que direciona "toda esta pressão, esta agressividade" para a Europa.
A ONG coordena as suas operações com o Centro Marítimo de Coordenação de Roma, que orienta todas as operações de resgate.
Para Regina Catrambone, a União Europeia "deveria ter planos um pouco mais reais" para uma solução definitiva para o problema, sendo que uma possível intervenção contra as bases dos traficantes seria apenas "paliativa".
"A solução para o problema não é criar muros, não é destruir os barcos, (...) é ir ver o que acontece nos países de origem daquelas pessoas, e tentar criar paz", explica.
A solução passa também pela mudança de mentalidades, defende, tanto pelos europeus como pelos imigrantes. "Algumas destas pessoas não tiveram a sorte de poder estudar e de poder entender tudo aquilo que acontece, algumas pessoas são analfabetas, algumas precisam de estudar", e por isso, afirma, "é preciso criar um sistema para eles no qual estas pessoas não se percam, mas que nós os possamos ajudar, para que depois eles nos possam ajudar a nós".
Mas "estas pessoas que nós socorremos, também elas quando chegam a Itália devem perceber que a Itália é o país que os acolhe, e que devem respeitar, como a uma mãe, o país".
Os centros de detenção onde os imigrantes são colocados não são contribuem para resolver o problema, diz, porque quando "estas pessoas vulneráveis como nós chegam, temos verdadeiramente que entender se as queremos acolher, e acolher por bem, ou se queremos fazer de conta que as acolhemos" e pô-los nos centros, à espera de serem repatriados.
No primeiro ano da MOAS, o projeto foi financiado pessoalmente por Regina Catrambone e pelo seu marido, Christopher, mas agora a organização depende de doações para continuar. "Nós vivemos de doações, não é verdade que sejamos milionários", afirma Regina. "Nós tínhamos fundos, mas gastámo-los todos para esta missão", e agora apenas as doações, possíveis através do site da organização, a mantêm operacional.
Segundo informações divulgadas na quinta-feira pela Organização das Nações Unidas, cerca de 224 mil migrantes e refugiados atravessaram o Mediterrâneo em direção à Europa nos primeiros sete meses deste ano.
