Imperatriz russa encaixotada e ruas com novos nomes: o afastamento de Odessa de Moscovo
Há muito conhecida como uma cidade híbrida, uma mistura entre a cultura russa e a ucraniana, Odessa está a pintar-se com as cores amarela e azul num afastamento cada vez mais vísivel de Moscovo.
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Odessa desempenha um papel importante na mente dos saudosistas imperiais, que a vêem como parte integrante da cultura russa. A cidade foi o berço de muitos dos grandes escritores de língua russa, os seus residentes falam, na sua maioria, em russo e a Catedral da Transfiguração foi consagrada pelo Patriarca Círilo, chefe da Igreja Ortodoxa Russa, em 2010. Porém, a cidade está a perder rapidamente todo o sentimentalismo em relação às suas ligações à Rússia devido aos ataques contínuos de mísseis russos na cidade e principalmente depois de um bombardeamento que destruiu a famosa catedral, matando duas pessoas e ferindo 22, incluindo crianças.
Um dos elementos mais visíveis do afastamento da herança russa é a alteração dos nomes das ruas, segundo uma reportagem do jornal britânico "The Guardian". Muitos nomes serão alterados e nomes de influência russa serão substituídos por nomes ucranianos ou marcos topográficos.
Ainda agora, há mais tolerância em relação a alguns nomes russos do que em muitas outras cidades ucranianas. Há quem defenda a permanência de alguns nomes russos, nomeadamente a rua Pushkin, uma que o poeta russo viveu em Odessa durante 13 meses e ali escreveu o seu famoso romance em verso "Eugene Onegin".
“Havia mais de 200 ruas com nomes de cidades, escritores e imperadores russos, não vejo problema se deixarmos cinco delas, onde há ligações reais com Odessa”, disse Peter Obukhov, vereador local. “Pushkin viveu em Odessa, Pushkin escreveu em Odessa, isso também faz parte da nossa História”, continuou Gennadiy Trukhanov, autarca da cidade.
Estátua de Catarina, a Grande removida do centro da cidade
No coração de Odessa, numa das suas praças mais famosas, podia ver-se a estátua da imperatriz russa Catarina, a Grande, que fundou aquela cidade. Mas já não. Agora, está fechada numa caixa e afastada do público.
Trukhanov era fortemente a favor de manter o monumento intacto, mas mudou de ideias no final do ano passado, concordando com a sua remoção. “Como poderia explicar aos pais que perderam os seus filhos ou aos filhos que perderam os seus pais porque é que existe uma imperatriz russa parada no meio da nossa cidade?", questionou o autarca, citado pelo "The Guardian".
Considerado durante muito tempo pró-russo, tendo sido mesmo acusado de ter um passaporte russo secreto, Trukhanov assumiu-se, desde o início da guerra, como um patriota ucraniano convicto. “Se soubessem o quanto Odessa vos odeia, não só vos odeia, mas despreza”, disse o autarca em russo, num vídeo a reagir ao bombardeamento que destruiu a Catedral da Transfiguração.
Ouve-se menos russo
Numa cidade em que é habitual ouvir-se falar em língua russa, há quem agora o evite. "Estou até a tentar não falar a língua russa", disse Marat Kasimov, vice-diretor de planeamento urbano e preservação arquitetónica de Odessa, em declarações ao "The New York Times".
Noutras partes da Ucrânia, as pessoas falam cada vez mais ucraniano em vez de russo. Este mês, a Câmara Municipal de Kiev proibiu o uso público de livros, músicas, apresentações, espetáculos, livros de arte, obras audiovisuais e outras manifestações culturais em língua russa na capital ucraniana. Já em novembro passado, Kiev excluiu por completo o ensino da língua russa como parte dos currículos das instituições municipais no pré-escolar e ensino médio geral.
"O povo de Odessa está cansado", rematou Trukhanov. "As pessoas estão cansadas da incerteza, cansadas das noites ansiosas, de não adormecer. Mas se o inimigo está a contar com isso, está errado. Porque esse cansaço transforma-se no ódio mais forte".