Os cidadãos podem fazer jornalismo? Não, mas podem ajudar a comunicação social se receberem formação. A sociedade fica mais informada e torna-se mesmo possível avançar para a cocriação de notícias com jornalistas profissionais. A experiência, que dá nova vida ao jornalismo local, vem dos EUA.
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Liza Gross, assessora principal da Solutions Journalism Network (SNJ), a Rede de Jornalismo de Soluções, que participa no VII Congresso de Editores de Meios de Comunicação Social da União Europeia e América Latina, relatou ao "Jornal de Notícias" a experiência norte-americana que conjuga de forma positiva a vontade dos cidadãos de ajudar o jornalismo com a débil estrutura dos meios da comunicação social. Ao contrário do que sucede nas redes sociais, espaço em que cada um transmite mensagens sem qualquer filtro de profissionais da informação, no caso dos "documenters" (informadores) estamos a falar de pessoas que receberam formação por parte dos jornalistas, estando presentes em locais onde os meios de comunicação não conseguem ir, normalmente por falta de recursos humanos.
Nos EUA, tudo começou em Chicago com a organização City Bureau. Muitas reuniões de governos locais acontecem sem qualquer supervisão ou contribuição do público. A Rede de Informadores, criada pela City Bureau, já treinou mais de 2500 pessoas em dezanove cidades para participar e fazer anotações em reuniões de executivos locais. Os informadores podem fazer anotações, twittar em direto, tirar fotos e gravar áudio/vídeo. Embora tenham recebido previamente formação, os "documentadores" não escrevem notícias diretamente – em vez disso, criam um novo registo público baseado em notas padronizadas. A cobertura documentada de reuniões públicas inclui informações sobre decisões políticas, legislação, comentários públicos e tendências locais.
"A Documenters é uma organização que treina cidadãos interessados em estar presentes numa reunião municipal sobre água, recolha de lixo ou educação. São treinados para fazer anotações porque os jornalistas não podem estar em todos os lugares. Compartilham o que anotaram com os jornalistas profissionais e então, a partir disso, saem histórias. Eles são formados e pagos de forma simbólica", explica Liza Gross que falará no VII Congresso no painel sobre "Participção dos cidadãos e meios de comunicação. Em 2019, o jornal "Politico" realizou uma reportagem sobre a autência escola de formação criada pela organização City Bureau, em Chicago. Este tipo de complemento de informação fica acessível a qualquer cidadão registado (nomeadamente através de newsletters) e, frequentemente, os órgãos de informação aproveitam esse manancial para cocriar notícias.
Na Europa, a preocupação tem sido mais centrada no perigo das redes sociais enquanto fontes informativas concorrentes dos jornalistas. Liza Truss acredita que a literacia mediática é essencial para combater as fake news. "Há experiências a acontecer aqui nos EUA e também na Europa, na Finllândia por exemplo, em que a formação sobre como funciona a comunicação social é oferecida a qualquer cidadão interessado", refere. Daí que a cocriação de notícias seja um complemento.
Crowdsoursing no jornalismo
Uma startup digital chamada "Chicago Reporter" constatou quão baixos eram os registos oficiais de violência. Uma editora da publicação, que era negra, detetou essa distorção. Então ela fez "crowdsourcing". Como? Segundo Liza Truss, ela convidou as pessoas a dizer se tiveram algum incidente de brutalidade policial ou alguém que conhecem, pedindo, por favor, contassem a história ao "Chicago Reporter". Os jornalistas verificaram e analisaram cada caso e assim criaram uma base de dados a partir dessas informações. Na realidade, muitos casos tinham sido resolvidos fora do tribunal, ou seja, antes de chegarem a julgamento. Então, obviamente, não havia registo oficial desses casos, embora o dinheiro dos contribuintes estivesse a ser usado para estes acordos. Essa realidade existia, mas superava em muito o que chegava às notícias. Os contribuintes de Chicago gastaram pelo menos 74 milhões de dólares para resolver ações judiciais contra a Polícia local, nomeadamente devido a detenções à margem da lei e uso de força excessiva, em 2023, de acordo com uma análise de dados da cidade feita pela "WTTW News".