Nas eleições deste domingo na Alemanha há dois grandes protagonistas. O líder da extrema-direita na Turíngia, Bjoern Hoecke, que se destaca pela linguagem abrasiva, anti-imigração e anti-islamismo. E a líder da nova esquerda populista, Sahra Wagenknecht, cruzando a retórica anti-imigração com a defesa do Estado Social.
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Lema nazi e a recusa do "memorial à vergonha"
“Tudo para a Alemanha!” Era o lema das SA (Sturmabteilung), a força paramilitar que teve um papel fundamental na violência e na chegada dos nazis ao poder, nos anos 30 do século XX. A lei alemã proíbe o uso público de expressões nazis, mas isso não trava Bjoern Hoecke, de 52 anos, que foi este ano condenado e multado, por duas vezes, por ter usado a expressão em comícios.
O líder da Alternativa para a Alemanha (AfD) na Turíngia, justificou-se, perante os juízes, alegando desconhecer que a frase estava associada ao movimento nazi, e queixou-se de estar a ser vítima de perseguição política. Os juízes não aceitaram nenhum dos argumentos. Também porque o líder da fação mais extremista da AfD foi professor de História.
Percebe-se que, nem Hocke se envergonha do passado, nem os eleitores parecem preocupados com as suas provocações, ou não fosse ele o favorito a vencer, este domingo, as eleições regionais na Turíngia. Foi sua também uma outra afirmação que causou um enorme impacto a propósito do memorial às vítimas do holocausto, em Berlim: “Continuamos a ser um povo com mentalidade de derrotado. Somos o único país do Mundo a erigir um monumento à vergonha no coração da sua capital”.
Membro da AfD desde a fundação, em 2013, é apontado como um dos responsáveis pela transformação de um movimento eurocético, liberal nas questões económicas, num partido nativista, xenófobo e racista e que abraçou a causa do negacionismo climático. Mas Hoecke tornou-se, sobretudo, o campeão das políticas anti-imigração e do sentimento anti-islamista, acusando o Governo de querer substituir a população alemã por uma sociedade multicultural.
Um político tão nos extremos que já por duas vezes o tentaram expulsar da AfD. Mas, no final, quem acabou por sair foram os dirigentes que o tentaram afastar. Bjoern Hoecke continua de pedra e cal e, não fosse o “cordão sanitário”, que se presume que os restantes partidos continuarão a aplicar, seria o próximo líder da Turíngia, estado que fazia parte da antiga Alemanha comunista.
A comunista que não cruzou o muro de Berlim
Há muitos partidos que dependem quase exclusivamente de uma única figura política, mas não haverá muitos que assumam essa dependência até no próprio nome. E muito menos com o sucesso de Sahra Wagenknecht, que, aos 55 anos, se prepara para transformar a Aliança que leva o seu nome numa força incontornável, escassos meses depois de o ter fundado, na sequência da dissidência do Die Linke (A Esquerda).
Uma mulher com um percurso peculiar, logo no início da sua vida política, aos 19 anos: em 1989, o regime da antiga RDA (República Democrática Alemã) estava já em colapso, quando decidiu juntar-se ao partido comunista. O muro de Berlim caiu pouco depois e, quando todos os berlinenses do Leste visitavam a parte ocidental da cidade, até aí inacessível, Wagenknecht recusou-se: “não era meu desejo ter o último par de jeans”.
Juntou-se ao Partido do Socialismo Democrático (PDS em alemão), o sucessor dos comunistas, mas entrou em conflito com os dirigentes. Já no século XX, Oskar Lafontaine juntou os vários pedaços da esquerda alemã ocidental e oriental no Die Linke. Sahra voltou a assumir um papel de destaque e acabou por casar com Lafontaine. Que a seguiu, em janeiro passado, na mais recente dissidência, agora em nome próprio.
Segundo os politólogos alemães, o BSW dirige-se a quem tem posições de esquerda nas políticas económicas, mas atitudes culturais conservadoras. Nas palavras da própria Sahra Wagenknecht, o seu é “um conservadorismo esclarecido, no sentido de preservar as tradições e a segurança. Nas ruas, em locais públicos, mas também no emprego, cuidados de saúde e pensões. A necessidade de segurança, paz e justiça encontrou um novo lar”.
Como é que isso se materializa? Desde logo com uma forte retórica anti-imigração. E, depois, com a contestação ao apoio da Alemanha à Ucrânia, na sua resistência ao invasor russo. Apesar da diferença de abordagem e da linguagem menos abrasiva, são os mesmos temas dos concorrentes da AfD.
Talvez por isso, Bjoern Hoecke, o líder da extrema-direita na Turíngia (onde Sahra cresceu, na então RDA, ao cuidado dos avós), já a desafiou a aderir ao partido. Como que a validar a “teoria da ferradura”, que nos diz que os extremos estão simultaneamente afastados e próximos.