Uma reunião de especialistas sobre desinformação confirma o perigoso aumento da prática, graças à utilização de ferramentas de inteligência artificial. E para o ano há eleições em quase metade do planeta.
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O Fundo para os Media da Fundação Gulbenkian, o Instituto Universitário Europeu e a Google organizaram no dia 26, em Bruxelas, a conferência “Combater a Desinformação Digital”. Estiveram presentes muitos investigadores de desinformação, jornalistas a trabalhar em verificação de factos e representantes da Comissão Europeia, para lá da Prémio Nobel da Paz de 2022, a jornalista Maria Ressa.
O dia passou-se com um elefante na sala, ou melhor, com um elefante virtual em todas as salas onde se discutiu o tema da desinformação: os perigos da inteligência artificial enquanto ferramenta que potencia a desinformação e aumenta a instabilidade democrática. O tema cruzou todas as sessões, mesmo aquelas onde se discutiam outras questões, o que é revelador dos perigos que se avizinham.
A entidade da Gulbenkian que se ocupa deste tema, o European Media and Information Fund, tem estado naturalmente atenta ao fenómeno e por isso tenta “responder ao fenómeno da desinformação como um todo – o objeto em si, a narrativa usada, mas também as suas motivações, agentes e impactos específicos, e isso inclui também, claro está, os métodos e ferramentas usados para criar e disseminar essas narrativas.” Assim sendo, o seu diretor Pedro Calado explica que já tem apoiado projetos que tentam “compreender como a IA poderá potenciar as campanhas de desinformação, mas também, na outra face da moeda, como poderemos usar a IA como ferramenta nesse combate.”
Eleições em risco
Em 2024 mais de metade do mundo democrático vai a votos. Só entre a Índia, a União Europeia, os Estados Unidos e a Indonésia, são mais de mil e oitocentos milhões de eleitores. Somando ao calendário eleitoral os escrutínios na Alemanha, Brasil, México, Paquistão e África do Sul, é mais de um terço da população do globo a poder optar num escrutínio eleitoral.
E isso significa demasiado potencial de risco, especialmente porque não se fala apenas de cenários hipotéticos: mecanismos de manipulação algorítmica já foram testados em eleições este ano, como se verificou nas eleições presidenciais na Nigéria no início do ano. E é o próprio Sam Altman, líder do ChatGPT, a alertar para os perigos de desinformação que a sua ferramenta provoca: ele confirmou que "A capacidade geral destes modelos para manipular e persuadir, para fornecer desinformação interactiva individual, é uma área de preocupação significativa". Isto porque estes modelos de inteligência artificial generativa são muito bons a fazer duas coisas muito más: por um lado, são capazes de criar textos, vídeos e imagens completamente fabricados, mas com uma perigosa aparência de verdade; por outro, são ótimos a criar estratégias para espalhar estes conteúdos de forma individualizada, atingindo públicos sensíveis com mensagens personalizadas que podem alterar a sua perceção face às eleições. A Google confirmou que tem um protótipo que deteta mecanismos de desinformação graças ao uso de IA generativa e diz estar muito satisfeita com os “resultados
impressionantes”, mas não confirmou ainda quando esses resultados – ou o próprio protótipo - serão partilhados.
Todo este contexto é conhecido dos investigadores reunidos em Bruxelas, e que se junta às preocupações sociais do momento atual. É sabido que o desinteresse face à informação credível aumenta com os períodos de instabilidade, e a situação atual que junta crises diversas (conhecida como permacrise), é particularmente grave. O relatório do Reuters Institute da Universidade de Oxford referia, na edição deste ano, que se continua a verificar o crescimento das pessoas que evitam as notícias que lhes desagradam, o que facilita o trabalho de quem cria informação falsa. Do lado da filantropia, assumido pelo EMIF e pelo Instituto Universitário Europeu, o esforço tem-se centrado “na construção de um ecossistema digital que seja também reflexo do que nos move na defesa da democracia e de uma sociedade civil ativa e robusta.” Pedro Calado anuncia que o seu próximo evento, já em novembro, vai centrar-se na “importância de criação de comunidade no combate à desinformação”, um tema que foi destacado pela Prémio Nobel Maria Ressa em Bruxelas.
Todo este enquadramento cria maior pressão para que a União Europeia regule as tecnologias de forma a proteger os seus cidadãos – e há vários projetos legislativos em curso, como o que pretende regular os anúncios políticos, e o AI Act, para regular algumas aplicações de inteligência artificial.