Recentes ações de Washington para lidar com adversários de Telavive sugerem esfriar das relações entre presidente dos EUA e primeiro-ministro de Israel.
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“O maior regresso da história”, como classificou Benjamin Netanyahu após a vitória de Donald Trump, em novembro, indicaria que Washington e Telavive estariam ainda mais alinhados no segundo mandato do republicano. Mas diversos episódios recentes indicam que Estados Unidos e Israel vivem um momento de esfriar das relações, principalmente devido às conversações com o Irão e com a Síria.
No início de maio, o presidente norte-americano anunciou um cessar-fogo com os hutis, que controlam grandes partes do Iémen e acordaram em não atacar navios comerciais no mar Vermelho. Os rebeldes salientaram, todavia, que continuariam a lançar ataques contra Israel. Já em meados do mesmo mês, a visita de Trump ao Médio Oriente, num périplo que incluiu a Arábia Saudita, o Catar e os Emirados Árabes Unidos, excluiu o Estado hebraico.
Além disso, logo antes da viagem, os EUA e o Hamas tiveram negociações diretas que resultaram na libertação do israelo-americano Edan Alexander, num “gesto de boa vontade” dos islamitas para com o líder da Casa Branca. O Governo de Israel, que foi informado da libertação e providenciou um corredor para a retirada do cativo, afirmou que foi a pressão militar na Faixa de Gaza que fez o grupo palestiniano ceder.
Acordo com Teerão
A questão principal de discórdia é, todavia, o diálogo com Teerão. “Estamos a ter conversações diretas com o Irão”, anunciou Trump, no dia 7 de abril, perante Netanyahu e os jornalistas, na Sala Oval. O primeiro-ministro israelita reagiu com uma expressão séria ao anúncio surpresa do magnata.
Esta semana, o chefe de Estado norte-americano confirmou que frisou a Netanyahu que ataques israelitas ao Irão seriam “muito inapropriados” no momento, já que o acordo sobre o programa nuclear iraniano está “muito perto de uma solução”. As declarações surgiram depois de o jornal “The New York Times” noticiar que o Governo Trump estava preocupado com informações dos serviços secretos que antecipavam possíveis bombardeamentos por Israel contra instalações para enriquecimento de urânio iranianas.
Segundo o “The Washington Post”, que ouviu elementos da Administração Trump, um dos motivos para a demissão do conselheiro de Segurança Nacional norte-americano, Mike Waltz, foi a “intensa coordenação” que este teve com Netanyahu em relação a uma ação militar hebraica no Irão, em vez de procurar uma “solução diplomática”. Waltz esteve ainda envolvido no escândalo do uso da aplicação Signal, usada para a troca de mensagens ultrassecretas sobre ataques no Iémen.
Um eventual acordo nuclear entre Washington e Teerão não é bem-visto por Telavive, principalmente se não incluir restrições a outros tipos de armamentos, como mísseis e drones, ou aos apoios a grupos também inimigos dos israelitas, como o Hamas, em Gaza, o Hezbollah, no Líbano, e os hutis, no Iémen. Um pacto que resulte no alívio das sanções americanas poderá ainda fortalecer política e economicamente as autoridades iranianas.
“Israel terá grande dificuldade em tomar medidas militares contra o Irão após um acordo nuclear com os Estados Unidos”, escreveu Danny Citrinowicz, analista do think tank norte-americano Atlantic Council. O investigador destacou que, na visão de Telavive, a “oportunidade de ouro” de derrubar o regime de Teerão estaria perdida desta forma.
Damasco “solucionável”
A Síria é outro ponto de divisão entre Trump e Netanyahu. Os EUA retiraram recentemente as sanções que tinham contra o país e o líder da Casa Branca teve um breve encontro com o homólogo sírio, Ahmed al-Sharaa, na Arábia Saudita. Enquanto isso, após a queda de Bashar al-Assad por rebeldes de um grupo resultante da al-Qaeda, em dezembro, Israel destruiu a infraestrutura restante das Forças Armadas de Damasco, expandiu a ocupação militar nos montes Golã, criando uma “zona tampão”, e respondeu aos ataques contra a minoria drusa.
Apesar disso, o enviado especial de Trump para a Síria, Thomas Barrack, disse na quinta-feira que o conflito entre sírios e israelitas é “solucionável”. “Diria que precisamos de começar apenas com um acordo de não agressão, falar de limites e fronteiras”, disse o oficial, que colocou a bandeira norte-americana de volta na residência do embaixador dos EUA, em Damasco, encerrada desde 2012.
Washington espera retomar a expansão dos Acordos de Abraão, lançados em 2020, no primeiro mandato de Trump, que resultaram na normalização das relações diplomáticas de Israel com países como Emirados Árabes, Bahrein, Marrocos e Sudão. O 7 de outubro de 2023 fez com que a Arábia Saudita adiasse indefinidamente a assinatura deste documento, que poderá contar em breve com a Síria e o Líbano. v
Faixa de Gaza é ponto de convergência
Donald Trump tem demonstrado apoio aos planos de Benjamin Netanyahu na Faixa de Gaza, com a expectativa de que os militares israelitas serão suficientes para a realização do plano da “Riviera no Médio Oriente”, evitando assim o envio de tropas dos EUA. Telavive tem, aliás, reforçado sempre a ideia da deslocação forçada dos palestinianos e apoiou o início das operações para a distribuição de alimentos pela organização norte-americana Fundação Humanitária de Gaza. “Estamos num Mundo em que Trump pode conter Netanyahu em relação ao Irão, mas dar-lhe um cheque em branco para o ataque e para a fome em Gaza”, escreveu o professor de Relações Internacionais da University College Dublin, Scott Lucas, ao portal The Conversation.