<p>Tony Blair defende a sua década no poder num livro de memórias publicado hoje, quarta-feira, e dominado pelas duas guerras que precipitaram a sua saída em 2007: contra "o desastroso" Gordon Brown e contra "o tirano" Saddam Hussein.</p>
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"A Journey" (Uma viagem), de 718 páginas, é escrito num estilo directo e contém revelações de carácter privado, como uma inclinação para a bebida nascida do 'stress' provocado pela rivalidade com Gordon Brown, seu ministro das Finanças durante 10 anos e seu sucessor na chefia do governo britânico.
"Um whisky ou um gin tónico como aperitivo e um ou dois copos de vinho, ou mesmo meia garrafa" ao jantar. Nada de "excessivamente excessivo", mas que tornou uma "muleta", escreve Blair.
O ex-primeiro-ministro britânico descreve Gordon Brown como "muito difícil, por vezes exasperante", mas "também forte, competente e brilhante".
Sobre o seu sucessor em Downing Street escreve "calculismo político, sim. Sentimento político, não. Inteligência analítica, absolutamente. Inteligência emocional, zero".
Três anos de Brown foram um “desastre”
Blair qualifica de "desastre" os três anos de Brown na chefia do governo e responsabiliza-o pessoalmente pelo fiasco eleitoral de Maio passado, que pôs termo a 13 anos de poder trabalhista e permitiu a eleição do conservador David Cameron para a chefia de uma coligação de governo.
A razão desse fiasco, escreve, foi Brown ter virado as costas aos princípios fundamentais que fizeram do "New Labour" de Tony Blair uma máquina de vencer eleições.
O programa económico do candidato Cameron "era melhor", disse Blair terça-feira numa entrevista à BBC.
Defesa da guerra no Iraque
A decisão de fazer a guerra no Iraque, o legado mais polémico do governo de Blair, é defendida nestas memórias: Saddam Hussein tinha a intenção de produzir armas de destruição maciça e só colocou "em suspenso" esse programa por "razões tácticas" para conseguir um levantamento das sanções da ONU.
Foi "uma guerra impopular, feita ao lado de um presidente republicano norte-americano muito impopular", George W. Bush, que caracteriza como inteligente, "um verdadeiro idealista" e um homem íntegro.
Blair lamenta os mortos do conflito, vivido como "um pesadelo", e diz-se angustiado por pensar que os familiares dos mortos possam acreditar que não se importou com a perda de tantas vidas.
"Pensam que não me importo, que não o sinto, que não lamento profundamente a perda dos que morreram (...) Lamento-o profundamente, lamento as vidas interrompidas, sinto pena das famílias cuja perda foi agravada por esta controvérsia" sobre a guerra, escreve.
Os direitos de autor destas memórias, incluindo o valor que lhe foi pago adiantado avaliado em 5,6 milhões de euros, foram cedidos a um centro de reabilitação de vítimas da guerra no Iraque.
"Com base naquilo que sabemos hoje, continuo convencido que deixar Saddam no poder era um risco maior para a nossa segurança que derrubá-lo e que, apesar das consequências terríveis, um Iraque dirigido por Saddam e pelos seus filhos seriam indiscutivelmente muito pior".
"Não posso arrepender-me da decisão de entrar na guerra", escreve.
O seu maior erro político, considera, foi a abolição da caça à raposa, que lançou mais de um milhão de manifestantes nas ruas do Reino Unido. "Senti-me como uma raposa encurralada", ironiza.