Dezenas de casais lésbicos da região de Pádua, no Norte de Itália, receberam, esta semana, uma notificação a informar que o Ministério Público exige o cancelamento das certidões de nascimento dos filhos, alegando que o nome da mãe não biológica deveria ser removido.
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O Ministério Público italiano quer que 33 certidões de nascimento, registadas desde 2017, sejam canceladas, de modo a que o nome da mãe não biológica seja removido do documento, informa a agência Reuters.
Apesar de o país ter legalizado as uniões civis entre pessoas do mesmo sexo em 2016, altura em que um Governo de centro-esquerda liderava Itália, não foram atribuídos aos casais homossexuais plenos direitos de adoção, por se temer que tal impulsionasse o recurso a barrigas de aluguer, que continuam a ser ilegais.
Na ausência de uma legislação clara sobre o assunto, alguns tribunais permitiram, depois de uma análise caso a caso, que casais homossexuais adotassem crianças. Neste sentido, os autarcas de algumas cidades, onde se inclui Pádua, deram o aval a nascimentos de bebés fruto de uniões entre pessoas do mesmo sexo.
Agora, a promotora de Pádua, Valeria Sanzari, abriu um processo judicial, alegando que as 33 certidões de nascimento assinadas pelo autarca Sergio Giordani desde 2017 teriam de ser alteradas, devendo o nome da mãe não biológica ser retirado.
Riscos para as crianças
Os bebés em causa foram reconhecidos como filhos de duas mães após serem concebidos no estrangeiro através do recurso à fertilização assistida. Contudo, em Itália, ao contrário de outros estados europeus, o acesso a esta técnica só é permitido a casais heterossexuais casados ou em união de facto.
Caso a decisão avance, a progenitora cujo nome for eliminado da certidão deixará de poder fazer tarefas tão básicas como ir buscar os filhos à escola sem uma autorização por escrito da companheira e, se a mãe legalmente reconhecida morrer, as crianças correm o risco de ser retiradas da casa da família e colocadas sob a Tutela do Estado.
"Em Itália, o casamento é apenas entre um homem e uma mulher e, portanto, apenas o pai biológico é o pai cujo sobrenome pode ser registado", disse Luca Ciriani, ministro das Relações Parlamentares, à rádio RTL, na terça-feira.
Em resposta à notificação do Ministério Público, a presidente da associação italiana Famiglie Arcobaleno (Famílias Arco-Íris), Alessia Crocini, denunciou que o pedido se trata de um "ato vergonhoso e indigno para um país cívico", cita o "El País".
"Pura hipocrisia de um Governo que desde que chegou agiu sistematicamente para anular os direitos das nossas crianças", assinalou a dirigente que fala numa “fúria ideológica sem precedentes”.
A luta deverá chegar à barra dos tribunais em novembro.
Lei em discussão
Em março deste ano, o Governo de Giorgia Meloni - que não se pronunciou sobre este caso em específico - já tinha proibido a autarquia de Milão de registar os filhos de casais homossexuais, o que impulsionou uma manifestação com centenas de participantes.
A Câmara dos Deputados de Itália está, atualmente, a debater uma proposta de lei que pretende tornar crime, punível com até dois anos de prisão, o recurso a barrigas de aluguer por parte de casais homossexuais, mesmo que o processo decorra em países onde o método é legal, como é o caso dos Estados Unidos ou Canadá.
Meloni, uma inimiga autodeclarada do que chama de "ideologia de género" e do "lobby LGBT", tem enfrentando, nos últimos meses, um crescente escrutínio externo devido à agenda altamente conservadora do Executivo que encabeça.