João deixou para trás a vida num Líbano engolido pela "onda de carnificina" de Israel
João Sousa deixou a "família adotiva" e a casa num país abandonado à sua sorte, depois de o chão lhe ter saído dos pés pela mão "impune" de Israel. Chegou a Portugal no primeiro voo de repatriamento e é cá que vai reconstruir as vidas que ficaram em suspenso. "Nós queremos regressar, mas para onde é que se regressa?".
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Fez ontem um ano que a incursão do Hamas em Israel provocou 1139 mortos e 251 reféns. E fez ontem um ano que Benjamin Netanyahu, refugiando-se sempre no "direito a defender-se" do grupo islamita que desde 2007 governa a Faixa de Gaza, respondeu com uma ofensiva sem precedentes no enclave palestiniano, levando à morte de 41 mil pessoas, a maioria civis, deixando feridas mais de 97 mil e obrigando 1,9 milhões (de uma população de 2,3 milhões) a deslocarem-se internamente no território. Os números - considerados fiáveis pelas Nações Unidas - continuam a crescer, enquanto se agiganta a montanha de vidas exterminadas pelo poder israelita, que continua a não dar sinais de querer um cessar-fogo ou um acordo de paz. Pelo contrário: somando um rol de violações do direito internacional, Israel tem alargado as "operações" a novos alvos (na Síria e no Iémen) e intensificado, como nunca, os ataques no Líbano. João Sousa, português radicado no país desde janeiro de 2020, não os viu chegar, mas sentiu-os em força quando chegaram.
"Estivemos mais ou menos anestesiados durante a guerra, porque pensávamos que os ataques entre o Hezbollah [grupo extremista libanês] e Israel ficariam confinados à zona fronteiriça, com alguns ataques esporádicos por parte de Israel em Beirute, como foi acontecendo no último ano. Mas as coisas precipitaram-se quando houve o ataque israelita com os pagers e, um dia depois, com os walkie-talkies. No espaço de dois dias, fizeram um bombardeamento brutal perto de nossa casa. De tal ordem que sentimos o impacto fortíssimo das bombas disparadas para um bairro lá ao pé", recorda João, fotojornalista, chegado a Lisboa há mais de uma semana e hoje a viver como "refugiado" com a mulher, Soha, e a filha bebé, Selena. A casa na capital libanesa estremeceu-lhes pela primeira vez no dia 20 de setembro e na segunda-feira seguinte "começaram os bombardeamentos em massa, chacinas, massacres, crimes de guerra por parte de Israel contra civis libaneses", relata ao JN. Nesse dia, "foram assassinados 600 civis, incluindo várias crianças" e , no final da semana, de acordo com as autoridades libanesas, um milhão de pessoas tinha fugido de casa - o número ascende a 1,2 milhões ao dia de hoje.