O presidente angolano considera que Isabel dos Santos é "apenas uma" entre vários cidadãos a contas com a justiça e não é sua rival, rejeitando acusações de perseguição política.
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"Eu não a vejo como minha rival política. Perseguição política? Persegue-se um opositor e os opositores do MPLA são conhecidos", afirma o chefe do executivo angolano, numa entrevista conjunta à Agência Lusa e jornal Expresso.
A empresária e filha mais velha do ex-presidente José Eduardo dos Santos está na mira da justiça em vários países, sob acusações de corrupção e peculato, tendo as autoridades angolanas solicitado, há seis meses, a ajuda da Interpol para localizar e prender provisoriamente Isabel dos Santos, sem que se conheçam mais desenvolvimentos do caso.
"Vamos deixar que a Interpol faça o seu trabalho. Costuma-se dizer que a justiça às vezes é lenta a agir, confiamos na idoneidade e capacidade da Interpol em cumprir o seu papel", diz João Lourenço, acrescentando que "há trâmites a seguir", pelo que é preciso "aguardar pacientemente pelo desfecho".
O chefe do executivo angolano refuta alegações de perseguição política, como se tem queixado a empresária, salientando que há muitos cidadãos que estão a braços com a justiça e o caso de Isabel "é apenas mais um".
Quanto ao processo relativo ao ex-vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, João Lourenço realça que se tratou de "um caso de soberania" e que não foi Angola que provocou o que ficou conhecido como "irritante" entre os dois países. "Foram as autoridades judiciais portuguesas que entenderam levar à barra dos tribunais [portugueses] um governante daquela craveira. Não estou a imaginar Angola a ter a ousadia, por exemplo, de levar a tribunal um José Sócrates se, eventualmente, ele tivesse cometido algum crime em Angola. Felizmente, o desfecho foi bom (...) se tivesse demorado mais tempo talvez tivesse deixado mazelas, mas devo garantir que não deixou nenhumas", comenta.
O Ministério Público português imputou a Manuel Vicente crimes de corrupção ativa, branqueamento de capitais e falsificação de documento, um processo que foi remetido em 2018 para Angola, mas que se tem arrastado, segundo o procurador-geral angolano, Helder Pitta Grós, devido à imunidade de que gozava o antigo vice-presidente.
João Lourenço prefere não comentar o caso, que "está na justiça", mas espera que os órgãos judiciais façam "a parte que lhes compete", escusando-se a abordar a relação que mantém atualmente com o antigo homem forte da Sonangol, já que está "absorvido 24 sobre 24 horas" com as questões do Estado.
Questionado sobre o relacionamento com Álvaro Sobrinho, empresário luso-angolano e antigo diretor do Banco Espírito Santo em Lisboa e do banco BES Angola (BESA), vincou que precisa de ter motivos para deixar de ter relações com as pessoas. "Ele não foi julgado, não foi condenado, se ele aparecer aqui não vou virar-lhe as costas com certeza, até prova em contrário é um cidadão livre", respondeu, dizendo que é a justiça que tem de se pronunciar sobre o BESA, tal como em relação aos restantes casos. "Na Europa, não é normal pedirem-se contas aos chefes de Estado sobre casos de corrupção, ninguém pergunta ao presidente Marcelo sobre o caso José Sócrates. No entanto, às vezes entende-se que em África é diferente, particularmente em Angola", contesta, afirmando que "não é justo este tipo de tratamento diferenciado".
Quanto à luta contra a corrupção, reconhece que, apesar dos esforços, este problema não vai desaparecer e lembra que está apenas há pouco mais de cinco anos à frente dos destinos de um país que está prestes a celebrar o 50.º aniversário da independência. "Não se pode esperar que em cinco anos se acabe com a corrupção, nem sei mesmo se algum país acabou, na verdadeira aceção da palavra com a corrupção. Há em todo o mundo", notou, sublinhando que o problema "não é haver corrupção, é haver impunidade".
"Em 2027 vou continuar a servir o meu país"
João Lourenço promete que vai "continuar a servir o país em 2027" e escusou-se a responder se vai tentar concorrer a um terceiro mandato, atualmente proibido pela constituição.
"Em 2027, vou continuar a servir o meu país, onde for chamado. Estamos muito longe dessa data, não estamos em período eleitoral, não é sensato falar em apresentação de candidaturas", disse João Lourenço. "Quando chegar esse momento -- que está muito longe ainda -, o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola, no poder desde a independência) saberá escolher o melhor candidato e quando o fizer vai ter a preocupação de não atropelar nem a Constituição, nem a lei", respondeu o chefe de Estado a propósito de um eventual terceiro mandato presidencial, tendo em conta que a atual Constituição angolana prevê apenas dois mandatos de cinco anos cada.
Quanto à realização de eleições autárquicas, prefere não falar em datas "porque é arriscado", mas assegura que não serão afetadas pela nova divisão político-administrativa, que visa entre outras alterações, o aumento dos atuais 164 para 581 municípios, já que esta reorganização territorial não envolve o poder autárquico. "Eu não posso convocar eleições autárquicas sem ser com base na lei", insistiu, alegando que a conclusão do pacote legislativo autárquico está ainda dependente da aprovação de algumas leis na Assembleia Nacional que "não depende apenas de um partido político".
João Lourenço disse ainda que não vira as costas ao diálogo com a oposição e que o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), partido que lidera e está no poder em Angola desde a data da independência, em 1975, está disponível para debater outras propostas. "Eu falo com toda a gente, até falo com pessoas da oposição que não são os líderes porque pedem audiência e regra geral eu recebo", realçou o dirigente.
Mas, continuou, "não se queira pensar que tudo o que vem da oposição é bom". "Eles são livres de fazer as propostas que quiserem e discutir connosco e depois a gente aceita ou não aceita. É isso que está a acontecer com o pacote legislativo autárquico", afirmou, considerando que "não é realista" fazer, pela primeira vez, eleições autárquicas em todo o país como defende a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola).
Nas últimas eleições em Angola, o MPLA perdeu a maioria constitucional e qualquer alteração às limitações dos mandatos presidenciais ou outras questões da constituição terá de ser viabilizada pela UNITA.
"Estou disponível para ir a Portugal nos 50 anos do 25 de Abril"
João Lourenço mostrou-se disponível para visitar Portugal em 2024, no 50.º aniversário do 25 de Abril, e a festejar em conjunto os 50 anos da independência do seu país, no ano seguinte. "Com certeza que estou disponível, tudo depende da vontade das autoridades portuguesas. Se eu for convidado, irei com muito gosto", disse o Presidente angolano, numa entrevista conjunta à Lusa e ao Expresso, nas vésperas de receber, em Luanda, o primeiro-ministro português, António Costa.
João Lourenço disponibilizou-se igualmente a convidar o Chefe de Estado português a visitar Luanda para uma celebração conjunta dos 50 anos da independência de Angola, que se assinala a 11 de Novembro de 2025. "Ainda não tinha pensado nisso, porque penso ser sério, ainda faltam dois anos, mas nos 50 anos terei muito gosto em convidar o chefe de Estado português", afirmou.