Protestos pela democracia extravasam território brasileiro, enquanto bolsonaristas pedem prisão militar para comunistas.
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Mil cruzes, recordando os mais de 57 mil mortos com covid-19 no Brasil. E uma faixa. "#ForaBolsonaro". O silêncio era a regra no relvado da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, até porque era pouco mais do que madrugada. O protesto seria replicado Brasil e mundo fora, incluindo Portugal, sem cruzes e com a adaptação do slogan para "#StopBolsonaro". Horas depois, perto dali, os gritos seriam audíveis: com palavras de ordem em defesa do presidente brasileiro, pedia-se a intervenção militar no país. Tudo isto no dia em que o maior jornal do país tomou partido: a "Folha de S. Paulo" lançou uma campanha pela democracia. E deu-lhe a cor amarela.
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"O tom foi associado à ditadura militar, simbolizou a campanha das Diretas Já, esteve presente no impeachment de Dilma (Rousseff) e foi apropriado por bolsonaristas", justifica o jornal, que explica a censura e promove um curso gratuito sobre o que foi a ditadura (1964-85) para quem nasceu depois e tem uma ideia "romântica" e "idílica" da história. "Quando os bolsonaristas se apropriam desses símbolos, conseguem reforçar uma narrativa falsa de que eles são os verdadeiros brasileiros", defende ao jornal o escritor Antonio Prata, mentor de um manifesto pela democracia.
Campanha até às eleições
#UseAmarelo pela Democracia foi o leitmotiv escolhido pelo jornal, que passa a incluir uma faixa amarela na primeira página de domingo e alterou o slogan "um jornal a serviço do Brasil" para "um jornal a serviço da democracia". A campanha estende-se até... às próximas presidenciais. Sejam elas quando forem.
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Sem panos quentes, a "Folha" publica uma foto dos graduados no curso de paraquedismo do Exército em 1979. Lado a lado estão três membros do atual Governo - Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão e o ministro da Segurança Institucional da Presidência, Augusto Heleno. E titula: "Ditadura formou geração de militares que hoje povoam governo Bolsonaro". E completa o dossier com uma sondagem do instituto Datafolha segundo a qual 78% dos inquiridos consideram o regime militar como um ditadura, contra 13% que não encaram aquele período como de repressão. E 75% defendem o regime democrático enquanto 10% admitem que "a ditadura é aceitável em algumas ocasiões".
O apoio de 75% dos brasileiros ao atual sistema democrático "é sólido e, ainda assim, vem sofrendo ataques sistemáticos de extremistas identificados com o presidente Jair Bolsonaro", lê-se no editorial de ontem da "Folha", que faz um mea culpa: no início da ditadura, apoiou-a. "Errou". Uma década depois, envolvia-se no movimento "Diretas Já", em apelo a eleições diretas, em 1983-84.
Agora, recupera a campanha amarela de então enquanto em Brasília protestos amarelos também pedem "tribunal militar para julgar e prender todos os comunistas", uma "nova constituição" "anticomunista" e "intervenção militar já com Bolsonaro no poder" e "para Bolsonaro governar". Sem máscara, apesar de obrigatória por decreto num Brasil dilacerado pela pandemia de covid que o presidente desvalorizou.