José Maria Neves: "Trabalharei para acelerar o passo. Cabo Verde tem pressa e é necessário"
O antigo primeiro-ministro cabo-verdiano José Maria Neves foi eleito à primeira volta como o quinto presidente da República de Cabo Verde. Em conversa telefónica com o JN, partilhou o compromisso de ser um presidente "presente e atuante" e um fator de estabilidade, que trabalhará "com todos" para puxar Cabo Verde para o caminho da modernização.
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Venceu as eleições, após semanas de uma campanha bastante disputada. No discurso de vitória foi conciliador e assumiu-se como "um árbitro imparcial" e um "apaziguador de conflitos". Como antevê a coabitação com um primeiro-ministro de outra área política?
Com naturalidade. Já tivemos outras coabitações, eu mesmo coabitei com o presidente Jorge Carlos Fonseca durante cinco anos e as coisas funcionaram bem. A democracia é isso mesmo, é deferência, pluralismo, diversidade, é possibilidade de discussão. Quando há discussão, as soluções são muito mais férteis e as decisões muito mais bem conseguidas. Serei um presidente que irá cooperar estrategicamente com o Governo para a busca das melhores soluções para o país. Não serei em nenhuma circunstância fonte de bloqueio. Serei sobretudo fator de equilíbrio e de estabilidade.
Promete mudanças no exercício do cargo. Que mudanças serão essas?
Serei um presidente presente e atuante. Estarei em todas as ilhas, promoverei presidências abertas, nas ilhas e na diáspora. Estarei na cidade da Praia e na cidade do Mindelo e alternadamente nos dois palácios presidenciais desenvolverei atividades da presidência, dando um sinal da desconcentração das atividades do presidente da República.
Quais serão as prioridades dos próximos cinco anos?
Serei o principal embaixador da República para mobilizar parcerias e investimentos, e apoiar a Governo, as autoridades locais e a sociedade civil na retoma da economia, na criação de emprego e no combate à pobreza e às desigualdades. Trabalharei para acelerar o passo. O país tem pressa e é necessário. Acelerarmos o processo de transformação e de modernização do país. Serei o principal ouvidor da República, porque Cabo Verde precisa de afeto, de um presidente que cuida, que protege, um presidente amigo. Ouvirei as pessoas, os partidos, os sindicatos, as empresas, as reivindicações de cada uma das nossas ilhas e farei tudo para que entrem na agenda política e que essa agenda seja cumprida, a nível nacional e a nível local. Quero puxar essa nação para cima e mobiliza-la por inteiro para fazermos face aos desafios exigentes que se colocam a Cabo Verde.
O país atravessa um momento difícil, com uma crise económica, agravada pela pandemia de covid-19 e por um mau ano agrícola. Qual o caminho para sair da crise?
Temos de completar o programa de vacinação para imunizar a população e garantir a plena retoma do turismo. O turismo é o motor da economia e estarei a trabalhar com o Governo e com as autoridades sanitárias e locais para mobilizar e concluirmos com sucesso o programa de vacinação já em curso e que tem funcionado bem. Depois é mobilizar parecerias, nacionais e internacionais, para a retoma da economia. O turismo tem sido o motor do crescimento económico, mas não podemos basear o nosso crescimento apenas na monocultura do turismo. Temos de diversificar a economia e estarei disponível para trabalhar com o governo, o patronato, os sindicatos, com a sociedade e também mobilizando parecerias internacionais para aceleramos o ritmo da recuperação da economia, a criação de empregos o combate à pobreza e às desigualdades.
O impacto da pandemia no turismo demonstrou a necessidade de diversificar fontes de rendimento.
Será uma grande prioridade a diversificação da nossa economia. Em Cabo Verde fizemos relativamente bem nestes 46 anos da nossa independência e neste momento precisamos de acelerar o passo. Serei o catalizador deste novo momento para andarmos mais depressa e garantirmos mais sofisticação, mais eficiência, mais eficácia e muito mais qualidade e excelência em tudo que fazemos. Temos de fazer certas coisas e coisas certas com muita eficiência, eficácia e mais sofisticação.
Consegue entender a indiferença dos líderes mundiais ao apelo dos secretários-gerais da ONU, António Guterres, e da OMS, Tedros Adhanom, de fazer chegar mais vacinas aos países africanos? Que gostaria de dizer as esses líderes mundiais?
Basicamente o que disse o papa Francisco. Nós estamos no mesmo barco e é fundamental que entendamos que o mundo só poderá combater esta e outras pandemias se houver uma grande solidariedade internacional. É fundamental que reduzamos o egoísmo e prestemos mais atenção a toda a humanidade. É nessa linha que iremos trabalhar, tanto no continente africano como a nível mundial. Para que possamos, tendo em conta as lições desta pandemia, reforçar a cooperação internacional internacional e criarmos as condições para fazer face a esta pandemia, libertarmo-nos dela e prepararmo-nos para as próximas pandemias.
É necessária maior cooperação entre os Estados...
Há vários avisos relativamente a essa questão, não só da pandemia que requer uma outra forma de relação entre os estados, particularmente entre o mundo industrializado e o mundo menos desenvolvido, mas também em relação às mudanças climáticas. É preciso que haja uma outra cooperação internacional para cumprirmos os acordos de Paris. Também é fundamental nos próximos anos reforçarmos o multilateralismo em benefício de todos. Os países mais ricos industrializados só estarão muito mais protegidos se a humanidade estiver mais protegida.
Nese quadro, Portugal continua a ser importante enquanto parceiro de Cabo Verde?
Portugal é um parceiro estratégico de Cabo Verde. Às vezes, quando falamos de cooperação, prestamos atenção mais aos aspetos tangíveis, mas há muitos aspetos intangíveis nessa cooperação. Temos uma comunhão de ideias, de valores, de história, de cultura que precisamos valorizar. Há uma relação de grande amizade, mas também há uma cooperação que tem sido fundamental para o construção do país e para o seu desenvolvimento. Trabalharei para que estas relações que já são excelentes continuem e cresçam, atingindo cada vez novos patamares de excelência nos mais diferentes domínios. Portugal tem sido um grande amigo, um grande parceiro no desenvolvimento de Cabo Verde.
Pensa em visitar Portugal ou convidar o presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que aliás disse já que estará presente na sua tomada posse?
O presidente Marcelo estará presente na tomada de posse e com certeza que Portugal deverá ser dos primeiros países a ser visitados pelo presidente, tendo em atenção o nível de relações que são de excelência e de grande cumplicidade.
Cabo Verde tem um grande comunidade em Portugal. Que mensagem tem para essas pessoas?
Desde logo, um grande abraço a todos os cabo-verdianos e dizer-lhes que o novo presidente vai unir a nação global cabo-verdiana. A minha perspetiva é mobilizar todas as capacidades e todas as competências, nas ilhas e na diáspora, para aceleramos o ritmo de transformação de Cabo Verde. Temos grandes especialistas na área da medicina, professores universitários, investigadores, empresários, desportistas, escritores em todo o Mundo e particularmente em Portugal. A minha ideia é mobilizar essa enorme capacidade, essa enorme riqueza para acelerarmos o ritmo de mudança. As remessas financeiras são importantes, mas as remessas de ideias, as remessas espirituais são extraordinariamente importantes para ganharmos mais em termos de confiança e acelerarmos o processo global de construção de Cabo Verde dos nossos sonhos. Esta diáspora pode contar como presidente com o presidente amigo e sempre presente.