Dinheiro acabou na conta da alegada amante do rei emérito. Em causa estão as suspeitas relativas à alta velocidade no reino wahabita.
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O rei emérito espanhol, Juan Carlos I de Borbón, está a ser investigado pelos Governos espanhol e suíço por ter recebido 100 milhões de dólares (89 milhões de euros) do Governo da Arábia Saudita em 2008. Os fundos chegaram diretamente do Ministério de Finanças saudita às contas da fundação panamenha Lucum, uma offshore gerida por testas de ferro de Juan Carlos.
Mas a rota do dinheiro não acabou aqui: o rei emérito, que também fez uso dos fundos, enviou em setembro de 2012 - poucos dias depois de fraturar a anca numa caçada de elefantes no Botsuana -, 65 milhões de dólares (41,6 milhões de euros) à alegada amante, Corinna Larsen, em forma de doação. Ex-mulher do príncipe alemão Johann Casimir zu Sayn-Wittgenstein-Sayn, Larsen foi ouvida há três meses pela Justiça suíça, tendo confessado que recebeu o dinheiro pelo "carinho" que Juan Carlos nutria por ela. A secção anticorrupção espanhola já pediu à Suíça um acesso mais completo à investigação desta suposta doação.
A transferência saudita está a ser investigada por Yves Bertossa, procurador de Genebra, numa macro-operação focada na lavagem de dinheiro no país helvético e que pode ter uma relação direta com a adjudicação da construção da linha de alta velocidade entre as cidades sauditas de Meca e Medina a um grupo de empresas espanholas por uma quantidade superior a 6700 milhões de euros. A investigação sobre este caso ainda está aberta na Justiça espanhola, apesar de as datas não coincidirem, porque a linha ferroviária só foi adjudicada em 2011. A secção anticorrupção ainda incluiu umas gravações de Corinna admitindo que Juan Carlos recebera dinheiro pelas obras na Arábia Saudita, mas o juiz não as considerou, alegando que o status do rei era inviolável - não podia ser julgado -, pelo que arquivou a peça. Que poderá voltar a ser aberta com base nestas novas revelações, dado que Juan Carlos perdeu esse estatuto especial depois de abdicar do trono.
Segundo outras fontes espanholas, o rei emérito ajudou o antigo monarca saudita Abdullah bin Abdul Aziz al Saud a limpar a imagem do país e a transferência terá sido uma forma de agradecimento daquela monarquia do Médio Oriente. Esta suposição assenta no facto de o rei emérito ter recebido os 100 milhões uma semana depois de Espanha oficializar um acordo de colaboração com Riade. Além disso, Juan Carlos I concedeu em 2007 a Abdullah a Ordem do Tosão de Ouro, considerado o maior reconhecimento internacional, naquela que foi a primeira visita de um rei saudita a Espanha desde 1980, numa altura em que o país árabe era malvisto na cena mundial pelos atropelos aos direitos humanos.
Controvérsia no governo
Dois meses depois de formar Governo, a coligação entre Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) e a formação de Esquerda Unidas Podemos vive com estas revelações a sua primeira controvérsia. Pablo Echenique, porta-voz do partido de Pablo Iglesias, exigiu a criação de uma comissão de investigação para conhecer a verdadeira origem das transferências bancárias recebidas de contas estrangeiras pelo rei emérito: "Uma democracia moderna não pode permitir o surgimento de suspeitas tão graves sobre a Chefia do Estado".
A favor da proposta de Unidas Podemos encontram-se o Compromís, o Mais País e a Esquerda Republicana da Catalunha, pelo que o assunto deverá ser votado no Congresso. Mas o PSOE sempre manteve uma postura conservadora face a situações polémicas envolvendo a monarquia e terá de engolir sapos e apoiar-se nos votos do Partido Popular para chumbar a proposta, como já aconteceu em 2018.