Tribunal Superior Eleitoral deu três dias para o ex-presidente explicar decreto de golpe de Estado. Supremo cessou perdão aos agentes condenados pelo massacre do Carandiru.
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Refugiado nos EUA desde o final de 2022, Jair Bolsonaro começa a ver o cerco a apertar. Quase uma semana depois de as autoridades terem encontrado uma minuta na casa de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, que encenava um golpe de Estado, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deu, na segunda-feira, três dias ao antigo presidente para explicar o teor do documento em causa.
O Supremo Tribunal Federal (STF), por sua vez, suspendeu temporariamente o indulto concedido pelo predecessor de Lula da Silva, que beneficiava os agentes da Polícia Militar condenados pelo massacre do Carandiru.
Desqualificação política
Além das suspeitas de incitamento à violência no ataque às sedes dos três poderes, Bolsonaro está a ser acusado de alegado abuso de poder durante a campanha eleitoral, que antecedeu as eleições presidenciais de que saiu derrotado. Benedito Gonçalves, juiz do TSE, ordenou - tendo em conta os últimos factos apurados pelas autoridades - a inclusão do documento encontrado na casa de Anderson Torres (detido desde sábado) numa investigação contra o ex-presidente.
O documento, que foi redigido pouco antes de se conhecer o desfecho da segunda volta eleitoral, daria ao então presidente o poder de estabelecer estado de emergência, de modo a intervir no mais alto tribunal eleitoral e reverter o resultado das presidenciais, nas quais Lula da Silva reconquistou o Palácio do Planalto.
Caso o antigo líder brasileiro seja considerado culpado de abuso político a favor da campanha, o TSE poderá condená-lo a um período de desqualificação política de pelo menos oito anos, o que impediria uma recandidatura à presidência em 2026.
A possibilidade de Bolsonaro se tornar uma carta fora do baralho no seio da política nacional está a preocupar o Partido Liberal (PL). Segundo o G1, que conversou com fontes internas, o partido considera "improvável o cenário em que Bolsonaro venha a ser preso", no entanto, o ex-presidente "não deve escapar de uma condenação do TSE por ter atentado contra o sistema democrático".
Membros do partido admitiram ainda ao portal de notícias que o antigo chefe de Estado está cada vez mais isolado e já começa a ser alvo de desconfiança. "Ele produziu provas contra ele. Primeiro, no discurso. Agora, essa minuta é uma prova concreta", assinalou um dirigente do PL, sob anonimato, ao site brasileiro.
Mais de cem homicídios
Depois da invasão à Praça dos Três Poderes, a Justiça brasileira tem-se mostrado atenta às movimentações de Bolsonaro, sendo que ontem, a presidente do STF, Rosa Weber, deu mais um passo no escrutínio que está a ser realizado pelas autoridades ao suspender, de forma cautelar, o indulto concedido pelo ex-presidente aos agentes da Polícia Militar, que foram condenados pelo massacre na prisão do Carandiru, em São Paulo.
De acordo com o decreto assinado pelo então líder, a 22 de dezembro de 2022, 69 dos 74 polícias (os outros cinco já morreram) condenados pelos homicídios de 111 pessoas seriam perdoados pelos crimes cometidos em 1992. Porém, a magistrada considerou que este perdão "pode configurar uma violação das recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos", respondendo a um pedido da Procuradoria-Geral da República.
Os agentes, que transformaram um motim num massacre - devido aos violentos atos de repressão que acabaram com centenas de prisioneiros executados a tiro -, foram condenados entre 2013 e 2014, mas nunca foram presos devido a manobras dilatórias para atrasar o julgamento de recursos em instâncias superiores.
SABER MAIS
Sondagem
Uma sondagem do Ipec, divulgada esta terça-feira, aponta que 54% dos brasileiros confiam no atual presidente. Segundo a pesquisa, as pessoas que mais acreditam em Lula da Silva são católicas, vivem com um rendimento mensal baixo e moram no Nordeste. Os inquiridos que dizem não confiar são maioritariamente evangélicos, vivem com uma renda superior a cinco salários mínimos no Sudeste e Sul do país.
Demissão
Lula da Silva dispensou 40 militares que estavam responsáveis pela segurança do Palácio da Alvorada. O presidente do Brasil tem demonstrado, desde o ataque de 8 de janeiro, alguma desconfiança nas forças militares.