Entre os silêncios, as lágrimas e as palmas, construiu-se a emoção da despedida ao Papa Francisco, neste sábado de manhã, no Vaticano.
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Numa manhã que começou cedo, quando uma pequena neblina cobria ainda a cúpula da Basílica de São Pedro, a praça com o mesmo nome começou a encher com católicos que queriam estar nas primeiras linhas do funeral do Papa. Primeiro só se ouvia o ruído habitual de qualquer multidão, mais tarde temperado pelo som de música sacra.
Ainda antes da cerimónia, rezou-se o terço. No final, o primeiro momento de emoção. Fez-se silêncio. Tocaram os sinos. O corpo de Francisco foi carregado desde a basílica até ao altar acompanhado pelos cardeais, num novo momento de emoção, com telemóveis ao alto, para mais tarde recordar. Do lado esquerdo, alinharam-se os líderes católicos. Do lado direito, os altos dignitários, onde se encontravam Donald Trump, Volodymyr Zelensky, recebido com palmas, Marcelo Rebelo de Sousa, entre outros. No total, 50 chefes de Estado.
Cá em baixo, a praça cheia de fiéis ao sol. Mais de 400 mil pessoas na rua, segundo as estimativas da Proteção Civil. Tão cheia, que as autoridades cortaram qualquer entrada. “Nem mais uma pessoa”, dizia um dos responsáveis pelo controlo de passagens. Entre os fiéis, alguns ucranianos, bem visíveis pelas bandeiras e lenços que traziam consigo. Natália, a liderar o grupo, diz-nos que Francisco “amava a Ucrânia” e pede que o próximo Papa traga paz ao seu país em guerra. Entre a multidão, uma freira russa, de sorriso enigmático, segurava uma imagem de Maria nas mãos.
O funeral de um Papa é um momento de grande impacto, mesmo para quem está habituado a viver grandes eventos no Vaticano. Agentes das várias polícias presentes aproveitavam para tirar fotos, fazer vídeos e até diretos para mostrar à família que estavam na linha da frente da celebração, a poucos metros do caixão e do presidente norte-americano, que parecia suscitar alguma curiosidade entre os italianos.
Um Papa “com personalidade”
Perante rostos compenetrados e mãos juntas em forma de prece, Giovanni Battista Re, o decano do Conselho de Cardeais, recordou Jorge Mario Bergoglio, um sacerdote “com personalidade” e a última presença do líder católico nesta praça, no dia anterior à morte, no domingo de Páscoa. Uma homilia pontuada por palmas a cada novo feito de Francisco que era enumerado. “Um Papa Universal”, como nos dizia Eulálio Patrício pouco depois de entrar na praça e que estava no funeral com um grupo de jovens e catequistas de Quarteira.
“Os gestos e exortações a favor dos refugiados e das pessoas deslocadas são incontáveis”, disse Battista Re do púlpito, recordando a situação da “ilha símbolo de Lampedusa”, visitada por Francisco em 2013, e Lesbos, bem como as inúmeras viagens ecuménicas, a vários pontos do globo, incluindo regiões mais periféricas, na Ásia. Palavras proferidas perante figuras como Trump ou e Giorgia Meloni, que as poderão ter entendido como recado.
“Um Papa entre as pessoas, com um coração aberto”, que se esforçou por uma Igreja Católica mais compassiva”, continuou o cardeal italiano, perante os aplausos dos crentes, que demonstravam concordância com os atos do Papa, não estivessem eles ali há horas por tudo aquilo que ele simbolizava. Muitos daqueles com quem falamos ao longo dos últimos dias referiram esta caraterística de simplicidade e de ligação com o povo, que gostavam de ver num futuro Papa. Um dos cardeais que ali se sentou em homenagem usará em breve o anel do pescador, cabendo-lhe a tarefa de continuar o trabalho dos últimos 12 anos.
No final, novo momento de emoção, quando o corpo de Francisco era retirado do altar, para regressar à Basílica. Já com muitos a sair da praça, talvez para tentarem um vislumbre do cortejo fúnebre que seguiu para Santa Maria Maior, do outro lado de Roma, onde Francisco foi colocado no túmulo, numa cerimónia privada. Os que ficaram para trás puderam acompanhar pelos ecrãs a última viagem do argentino, pela capital italiana