O líder de uma seita evangélica queniana vai esta segunda-feira a julgamento por "homicídio involuntário" após a morte de mais de 440 seguidores no apelidado "massacre de Shakahola", um caso que chocou o Quénia e muitos outros países.
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O autoproclamado pastor Paul Nthenge Mackenzie compareceu em tribunal na cidade portuária de Mombaça, no Oceano Índico, juntamente com dezenas de coarguidos, incluindo a sua mulher. Todos se tinham declarado inocentes em janeiro.
O julgamento deverá prolongar-se até quinta-feira.
Mackenzie, que foi preso em abril de 2023, é acusado de incitar os seus seguidores a jejuar até à morte para "encontrar Jesus" antes do fim do mundo em 2023. Estas mortes ocorreram ao longo de vários anos.
"A acusação está confiante de que, no final do processo, este ilustre tribunal terá uma visão clara da existência do pacto suicida", disse Pter K. Kiprop, diretor adjunto do Ministério Público, na abertura do julgamento.
"Nunca houve um caso de homicídio involuntário como este no Quénia", disse à agência France-Presse (AFP) o procurador responsável pelo caso, Alexander Jami Yamina, acrescentando que tinha reunido mais de 420 testemunhas. "Devido à gravidade do caso, preparámo-nos bem".
Algumas testemunhas irão depor à porta fechada.
Paul Nthenge Mackenzie e mais de 90 coarguidos estão também a ser processados por terrorismo, homicídio, rapto, tortura de crianças e crueldade em casos separados.
Neste caso, os restos mortais de 448 pessoas foram exumados num local remoto, não muito longe da cidade costeira de Malindi, no sudeste do país.
As autópsias das vítimas revelaram que, embora a maioria tenha morrido de fome, algumas, incluindo crianças, foram estranguladas, espancadas ou sufocadas.
De acordo com os documentos do tribunal, os órgãos de alguns dos corpos tinham sido removidos.
A acusação inclui 95 arguidos, 55 homens e 40 mulheres.
Um dos suspeitos morreu sob custódia devido a "complicações relacionadas com uma doença prolongada e com os efeitos do jejum", disse Alexander Jami Yamina à AFP, acrescentando que ela morreu "há cerca de um mês".
A 14 de abril de 2023, informada por um familiar de uma vítima, a polícia entrou na floresta de Shakahola, uma vasta área de mato na costa queniana, onde descobriu quatro corpos e várias pessoas que tinham quase morrido de fome. Mais tarde, foram descobertas valas comuns.
O pastor criou a sua "Igreja Internacional da Boa Nova" em 2003, mas fechou-a em 2019 e mudou-se para a cidade de Shakahola, para se preparar para o que anunciou como o fim do mundo, previsto para agosto de 2023.
Em março, as autoridades começaram a devolver os corpos de algumas das vítimas às famílias enlutadas, após meses de um trabalho minucioso de identificação através de análises de ADN, que foi extremamente lento devido à falta de recursos. Até à data, foram devolvidos 34 corpos.
Um relatório de uma comissão do Senado salientou as "falhas" da polícia e do sistema judicial locais, que não conseguiram impedir as ações do pastor, que tinha sido detido em várias ocasiões devido às suas pregações extremistas.
O caso levou o Presidente William Ruto a prometer investigar os muitos movimentos religiosos neste país predominantemente cristão da África Oriental.
O caso também pôs em evidência o fracasso das tentativas de regulamentar as igrejas e as seitas.