Os 17 rostos da luta pela liberdade em Angola já tinham nome. Agora, têm um livro escrito por um deles. Luaty Beirão conta a sua história e a dos que, com ele, foram acusados de associação de malfeitores e tentativa de rebelião contra o presidente José Eduardo dos Santos.
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"Sou eu mais livre, então" é o "diário de um preso político angolano" que foi escrito enquanto foi vivido. Luaty Beirão - Ikonoklasta para quem o conhecia pelo rap, muito antes de ter sido detido durante uma sessão de "exercício de cidadania" -, escrevia porque a caneta era a única forma de fugir da cela de dois metros por três onde esteve detido, na prisão de Calomboloca.
"Trata-se da «cela dos 21 dias», «cela disciplinar», «cela do castigo», ou ainda «mombaka», e destina-se a manter em isolamento e sem entrada de luz natural os presos malcomportados, para que estes se acalmem", lê-se no livro, que inclui uma entrevista assinada pelo jornalista Carlos Vaz Marques.
Escrever foi o meu escape
A narração do ativista acaba 13 dias depois de ter começado, quando Luaty faz o diário sair da cadeia da mesma forma que entrou, "clandestinamente", pelas mãos do irmão, com medo de que esse único prazer lhe fosse privado. O que acabou por acontecer com um segundo caderno.
Nas páginas do diário, Luaty escreveu sobre as condições em que foi detido, as irregularidades do processo e o dia-a-dia na prisão, em que se incluem as reuniões com o diretor, o cuidado de alguns funcionários e a dificuldade em receber visitas.
"Escrever foi o meu escape", contou o ativista em conversa com o "Jornal de Notícias", explicando que a ideia de alguém, um dia, poder vir a querer ler o seu "desordenamento mental" estava tão distante como a liberdade.
Ainda assim, preso, Luaty sentia-se mais livre
Eu gostaria de dizer que nunca mais vou ser preso mas é difícil prever com estas pessoas. Não é improvável que me matem até.
"As pessoas têm medo de reivindicar, de reverter a forma obtusa como este país é liderado. Prefiro estar preso do que estar numa liberdade amordaçada que me autocensura". Talvez tenha sido por isso que, entre as hipóteses que lhe foram apresentadas para título do livro, Luaty descartou os clichés e escolheu a mais fiel e mais vaga: "Sou eu mais livre, então". "Foi estranho o suficiente para eu gostar". Ri-se.
E não é só Luaty que está mais livre. "As mudanças estão a acontecer devagarinho, não damos conta dos saltos porque estamos cá dentro, mas quem está aí fora diz que Angola muda de dia para noite. Já se está a perder o receio de falar, há vontade de mudar a forma de fazer política. O que falta é ir a manifestações e encarar o poder".
O ativista admite que "o caso 15 +2" e as greves de fome de alguns ativistas, nomeadamente a sua, conseguiram colocar olhares internacionais na vida política angolana. Luaty esteve em protesto durante 36 dias, "por coincidência" o mesmo número de anos que, na altura, José Eduardo dos Santos acumulava no poder. "É muito romântico pensar que não foi um acaso, mas foi. Eu não estava preocupado em chegar aos 36, estava preocupado em manter-me são enquanto lutava."
A luta não o matou, por isso Luaty vai continuá-la. Num futuro próximo, isso passa por ir a conferências e concertos na Europa. Tranquilo, sem medo da possibilidade de sofrer represálias. "Eles já tentaram todas as formas de intimidação para eu me recolher, para voltar à concha, já ameaçaram a minha família, já me prenderam, já me puseram dois quilos de cocaína na bagagem. Eu gostaria de poder dizer que nunca mais vou ser preso, mas é difícil prever com estas pessoas. Não é improvável que me matem."
Já ameaçaram a minha família, já me prenderam, já me puseram cocaína na bagagem. Não é improvável que me matem.
E, por isso, não faz planos a grande prazo. "Não adianta, a vida aqui é muito imprevisível, nem só para quem se mete na vida em que eu me meti. Para toda a gente. Há muita doença, muita criminalidade. Morre-se por estar vivo."
Luaty Henriques Beirão, o filho pródigo do regime, vai apresentar o seu livro, editado pela Tinta da China, no dia 30 deste mês, no Bar d'A Barraca, em Lisboa. Mais livre.