Luaty Beirão anunciou, esta terça-feira, o fim da greve de fome, quecomeçou há 37 dias. Em carta enviada a um portal de notícias independente de Angola, o ativista luso-angolano dirige-se aos "companheiros de prisão" e diz que a sociedade ficou a par da luta por mais liberdade no país.
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"Junho vai longe. Passámos muitos dias presos em celas solitárias, alguns sem comer, com muitas saudades de quem nos é próximo. Pelo caminho sentimos a solidariedade da maioria dos prisioneiros e funcionários. Tivemos apoio de família e amigos", lê-se no primeiro parágrafo da carta publicada no portal de notícias Rede Angola.
Luaty Beirão está internado na Clínica Girassol, em Luanda, desde 15 de outubro, altura em que foi transferido da cadeia, quando os serviços prisionais se aperceberam de que o estado de saúde do músico angola se deteriorava,devido à greve de fome, iniciada em setembro.
"Não vou desistir de lutar, nem abandonar os meus companheiros e todas as pessoas que manifestaram tanto amor e que me encheram o coração. Muito obrigado. Espero que a sociedade civil nacional e internacional e todo este apoio dos media não pare", lê-se, ainda, na carta de Luaty Beirão, detido, em junho, juntamente com outros 14 jovens, que estão em prisão preventiva no hospital-prisão de São Paulo, também em Luanda.
O músico e ativista, que também tem nacionalidade portuguesa, é um dos 15 ativistas angolanos em prisão preventiva desde junho, sob acusação de atos preparatórios para uma rebelião em Angola e um atentado contra o Presidente da República.
O início do julgamento, que envolve outras duas arguidas em liberdade provisória, está agendado para 16 de novembro, no Tribunal de Cacuaco, nos arredores de Luanda.
"Tive a oportunidade de me aperceber do que nos espera lá fora e queria partilhar convosco o que vi: Vi pessoas da nossa sociedade, que lutaram pelo nosso país e viveram o que estamos a viver, a saírem da sombra e a comprometerem-se em nossa defesa, para que a História não se repita. Vi pessoas de várias partes do mundo, organizações de cariz civil, personalidades, desconhecidos com experiências de luta na primeira pessoa que, sozinhos ou em grupo, se aglomeram no pedido da nossa libertação. Já o sentíamos antes, mas não com esta dimensão", conta Luaty na carta dirigida aos companheiros.
O fim do protesto foi confirmado, entretanto, pelo advogado do músico. "Luaty acha que conseguiu mobilizar uma sociedade que estava apática, perante atos que considerava de desgovernação. Isso tornou patente", disse Luís Nascimento, em declarações à rádio Antena 1.
"Luaty acha que conseguiu por a nu algumas debilidades do nosso sistema, a própria dependência e inação dos tribunais, o sistema prisional que não funciona e a brutalização da polícia. Esse amplo escrutínio a que todo o sistema esteve exposto, ajudou as autoridades a ver que há muita coisa a mudar, a retificar", disse o advogado Luís Nascimento, justificando o fim do protesto de Luaty Beirão, também, com a pressão da mulher, que lhe pediu para pensar na fila de ambos.
"Um dos fatores que o levou a tomar a decisão foi a forte pressão emocional da esposa e o apelo que fez para ter em conta a única filha do casal, para além de várias moções, abaixo-assinados, mesmo dos 14 colegas a pedir que parasse e não se transformasse em mártir, que seria uma inutilidade tendo em conta o que ainda é preciso fazer em Angola", disse Luís Nascimento.
Em causa está uma operação policial desencadeada a 20 de junho de 2015, quando 13 ativistas angolanos foram detidos em Luanda, em flagrante delito, durante a sexta reunião semanal de um curso de formação de ativistas, para promover posteriormente a destituição do atual regime, diz a acusação. Outros dois jovens foram detidos dias depois e permanecem também em prisão preventiva.
O processo envolve 17 pessoas - incluindo duas jovens em liberdade provisória -, todas acusadas, entre outros crimes menores, da coautoria material de um crime de atos preparatórios para uma rebelião e para um atentado contra o Presidente de Angola, no âmbito desse curso de formação, que decorria desde maio.
Segundo a acusação, os ativistas reuniam-se aos sábados, em Luanda, para discutir as estratégias e ensinamentos da obra "Ferramentas para destruir o ditador e evitar uma nova ditadura, filosofia da libertação para Angola", do professor universitário Domingos da Cruz - um dos arguidos detidos -, adaptado do livro "From Dictatorship to Democracy", do norte-americano Gene Sharp.
Esta "formação" serviria de preparação para os referidos crimes contra a segurança do Estado, de que estão acusados, segundo o Ministério Público angolano.