Presidente francês vai aproveitar encontro com homólogo norte-americano para debater lei federal que prejudica a economia da União Europeia, tal como o preço do gás.
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A salva de tiros e o pomposo jantar de Estado com que Emmanuel Macron será, na noite de quinta-feira, recebido na Casa Branca não dissimulam a missão do presidente em Washington. Na primeira visita de um chefe de Estado desde que Joe Biden assumiu a presidência dos EUA, os dois líderes terão como foco a guerra na Ucrânia, mas outras questões, menos consensuais, também serão trazidas à tona, antecipou o Palácio do Eliseu, naquela que poderá ser a última oportunidade para Macron evitar uma guerra comercial entre a União Europeia (UE) e o aliado transatlântico.
Apesar de nos últimos meses os dois países se mostrarem em concordância relativamente ao apoio à Ucrânia, a forma como abordam o conflito marca posições diferentes. Biden não se inibiu de classificar Vladimir Putin como "carniceiro". Já Macron, líder de uma das maiores economias da Europa, tem apostado em declarações mais contidas.
"É a visita de um aliado, mas não de amigo", assinala o jornal francês "Le Monde", em referência à deslocação, notando que há questões em que as nações não estão alinhadas.
Lei comercial assusta UE
Depois da relação franco-americana ter sido abalada pelo facto de os EUA terem construído uma nova aliança, o pacto de defesa AUKUS, com a Austrália e o Reino Unido, deixando Paris de parte, e dos franceses terem perdido para Washington um contrato de venda de submarinos nucleares, floresce uma tensão decorrente de questões comerciais que se estende à restante comunidade europeia.
Na sequência do anúncio da Lei de Redução da Inflação, uma legislação federal norte-americana que pretende conter a inflação, baixar os preços dos medicamentos, combater as mudanças climáticas, reduzir o défice e impor um imposto mínimo sobre os lucros das maiores empresas, a UE tem-se mostrado preocupada com o impacto para o comércio transatlântico.
A lei, que entra em vigor a 1 de janeiro de 2023, prevê um investimento de quase 368,9 mil milhões de euros e vai facilitar a cedência de créditos fiscais e subsídios aos consumidores e empresas dos EUA para investirem em apostas "verdes". Várias empresas europeias já admitiram que irão optar pelo país na hora de fazerem investimentos, o que faz Bruxelas temer duras consequências para a economia comunitária, numa altura em que ainda não se espera o término da guerra.
Na semana passada, os ministros da Economia de Berlim e Paris uniram forças para pressionar os EUA a abandonar a proposta, assinando uma declaração conjunta na qual apelaram por "uma política industrial que permita que as empresas prosperem na competição global", cita o "Politico". Em resposta, altos funcionários da Casa Branca pediram à UE que evite uma disputa comercial e sugeriram que os Estados-membros deveriam copiar o modelo orçamental, aplicando-o nas próprias indústrias, mas a instituição não acatou o conselho.
A deslocação do líder francês aos EUA é agora vista como a última oportunidade para demover Biden de avançar com a lei - que Macron classificou como uma abordagem protecionista "agressiva" - mas esta hipótese antecipa-se pouco provável, pois a proposta já foi aprovada pelo Congresso.</p>
Perigo de fragmentação
Em paralelo, há ainda outro tema espinhoso: a questão energética. Sob anonimato, um alto funcionário da UE acusou o Estado aliado de lucrar com o conflito na Europa, alegando que as empresas que vendem gás liquefeito obtêm lucros elevados. Macron, por sua vez, considera que o homólogo norte-americano tem em mãos várias "opções" para reduzir os preços do gás e pretende discutir métodos para fazer cair os custos energéticos.
Caso a estratégia do francês não funcione, a relação entre a UE e os EUA pode azedar e alimentar uma fragmentação do Ocidente, o que, em termos estratégicos, acabaria por beneficiar a Rússia.