Um mafioso italiano aproveitou o tempo na prisão para licenciar em Sociologia. Na tese, Castello Romano revelou crimes que se lhe desconheciam, num documento de expiação e de análise ao mundo do crime e à forma como este atrai as pessoas desfavorecidas ou em situações difíceis na vida.
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A tese de Romano pode ser lida como um romance autobiográfico em que mistura os crimes que cometeu, faz um retrato cru do mundo criminal e da forma como se pode morrer mesmo sem ter feito nada. Uma obra assente numa infância e adolescência marcada pelo divórcio dos pais, a violência, drogas e a entrada numa família chamada Camorra, a máfia napolitana.
"Conheci intimamente a miséria e a influência negativa que ela pode ter desde a minha infância... Desenvolvi uma certa vontade de refletir e a capacidade de não fazer julgamentos moralistas fáceis e precipitados sobre as pessoas, o que infelizmente não é muito comum", escreve Castello Romano. Na tese, faz um retrato completo e complexo das questões ligadas à delinquência juvenil e as possíveis causas, e argumenta que o crime tem grande potencial de atração entre os mais desfavorecidos e marginalizados. "É a sua forma de tentar emancipar-se e ganhar mais respeito e reconhecimento social", escreve.
Romano, que nasceu numa família humilde e queria ser polícia, conta como o divórcio dos pais e a relação conflituosa com um pai violento o perturbaram. O "vazio" no peito que foi preenchido pela Camorra. "Com eles, construí a minha nova identidade alternativa de mauzão, como máscara para esconder a minha incapacidade de aceitar a minha fragilidade de adolescente e como forma de sobreviver num mundo violento e extremo", disse o criminoso, que foi entretanto transferido para uma prisão de alta segurança, em Pádua.
“O meu nome é Catello Romano. Tenho 33 anos e estive na prisão durante quase metade da minha vida, 14 anos consecutivos. Cometi crimes horrendos e fui condenado por vários assassínios da Camorra. O meu historial criminal é o seguinte”, lê-se no início da tese, de 170 páginas, a que o jornal espanhol "El País" teve acesso.
Os primeiros homicícios
No documento, Romano detalha os dois primeiros homicídios que cometeu, em 2008: Carmine D’Antuono e Federico Donnarumma, abatidos a tiro no espaço de segundos. "Culpado apenas de ter encontrado a pessoa errada na hora errada", Donnarumma foi morto por ter estado a falar com D’Antuono, um rival mafioso.
No historial de Catello Romano está ainda a morte de um outro rival, também em 2008, de que a Justiça não tinha conhecimento. "Embora não o possa provar, tenho a certeza de que ele não fez nada de mal para merecer a morte", disse o mafioso. "Aprendi no terreno que nesse mundo se pode morrer por inveja de alguém que, infelizmente para a vítima, tem alguma influência para decretar uma sentença de morte", acrescentou.
Para alguém que diz que o único papel que tinha na Camorra era puxar o gatilho, Romano aproveitou o tempo na cadeia para estudar Sociologia e penitenciar-se na forma de uma tese de licenciatura. "Através desta obra, pelo menos em certa medida, estou a levar a cabo um trabalho de verdade e reparação - não me atreveria a dizer justiça - para com aqueles que foram diretamente afetados pelas minhas ações erradas", disse. “É também meu objetivo contribuir para a compreensão do fenómeno criminal e, por conseguinte, para a sua possível prevenção. Estou convencido de que as palavras são importantes e este texto autoetnográfico tem como objetivo mudar o mundo à nossa volta”, acrescentou.
"Um aluno extraordinário"
O professor da Universidade de Catanzaro que orientou a tese de Romano, o sociólogo Chalie Barnao explicou ao "El País" que o assassino a soldo passou "um difícil processo", no qual refletiu sobre a própria vida e o percurso criminal. "Contou em pormenor circunstâncias que terão consequências; estava muito determinado a expo-las na sua tese. Pôs a vida em ordem de uma vez por todas e organizou os episódios vividos para os analisar através de um método de investigação sociológica, que teve também uma espécie de função terapêutica", acrescentou.
Barnao diz que a tese foi bem avaliada e merecedora de honras e Castello Romano "foi um aluno extraordinário", dizendo acreditar que os prisioneiros, especialista aquele em prisões de segurança máxima "são excelentes a sobreviver em condições extremas". O professor e sociólogo defendeu método da pesquisa sociológica através da autoetnografia, que é usada para descrever e analisar a experiência pessoal para entender o ambiente cultural, social e político.
Segundo Barnao, outros pioneiros serviram-se desta visão para tentar extrair lições das próprias histórias criminais. Casos do chefe da Máfia Salvatore Curatolo que escreveu uma tese sobre as estratégias de sobrevivência na cadeia, como aluno de sociologia enquanto cumpria pena de prisão perpétua ou de um "padrinho" da Camorra, Sergio Ferraro, condenado a 20 anos de prisão, escreveu uma tese sobre a socialização entre os clãs de mafiosos.