Iniciativa popular pretende conferir personalidade jurídica ao maior lago de água salgada da Europa, afetado por poluição extrema.
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Poucos espaços naturais conseguem fugir dos efeitos mortíferos das mudanças climáticas, que estão cada dia mais presentes nas nossas vidas. O Mar Menor, na região espanhola de Múrcia, está à procura de uma solução desesperada para abrandar os terríveis efeitos da alta contaminação que, há mais de vinte anos, tem estado a acabar lentamente com a vida vegetal e animal.
A salvação deste espaço natural junto ao mar Mediterrâneo poderá passar pela proposta inovadora e revolucionária iniciada por um grupo de advogados, cientistas e ativistas que querem levar ao Parlamento espanhol um projeto de lei para dotar o espaço de personalidade jurídica, para que esta possa ser defendida em tribunal.
Apesar das grandes dificuldades para resgatar o habitat do Mar Menor de uma morte garantida, a plataforma popular "Iniciativa legislativa dos cidadãos Mar Menor" está numa corrida contra o tempo para dar à lagoa os mesmos direitos que as pessoas ou as empresas têm, explicou ao JN, Afonso Manzano, advogado que trabalha no projeto.
"Desta forma, o próprio Mar Menor através dos seus representantes poderá ter ação e defender-se nos tribunais contra alguém ou algo que o prejudique sem esperar pelo Governo para agir. Além disso, poderá exigir que se recomponha o dano provocado", salientou Afonso Manzano.
O desastre natural deste que é o maior lago de água salgada da Europa traduz-se na eutrofização, processo originado pela excessiva acumulação de resíduos orgânicos - 300 mil toneladas por ano -, enquanto a sua aparência idílica continua intacta. As algas conquistaram o fundo marinho consumindo todo o oxigénio disponível e acabando com a vida do resto da fauna.
Segundo alguns biólogos locais, os peixes foram obrigados a mudar o seu comportamento e converteram-se em necrófagos devido à falta de alimento, já que 80% da vegetação marinha desapareceu em 2016.
Esta iniciativa, insólita na Europa, nasceu de estudos sobre vários precedentes similares no resto do Mundo, como o rio Atrato e a Amazónia, na Colômbia, e o rio Whanganui, na Nova Zelândia. "Este tipo de espaços naturais tão singulares como o Mar Menor devem ter uma legislação própria que os proteja", afirmou o jurista.
Impacto da urbanização
As acusações sobre quem realmente tem uma maior responsabilidade pelo mau estado da lagoa salgada são diversas. O "boom" urbanístico e turístico dos últimos 50 anos, permitido pela atitude passiva do executivo da região, mudou por completo a paisagem inóspita, provocando um efeito direto no Mar Menor, que começou a armazenar resíduos fecais de mais de 200 mil pessoas todo os verões.
A agricultura, que aumentou em 200% nos últimos vinte anos, também tem um impacto direto devido à grande demanda de água para regar, 25% através de aquíferos ilegais. Das hortas regadas através destes aquíferos, nascem 20% dos produtos hortícolas exportados por Espanha. Os nutrientes, fertilizantes, a salmoura e outros resíduos dessa produção agrícola são vertidos nos canais que finalmente desaguam no Mar Menor.
O texto da proposta de lei a ser apresentada em Madrid quer que sejam reconhecidos "os direitos à proteção, conservação, manutenção e restauração do Mar Menor, a cargo dos habitantes e do governo da região".
A demanda propõe ainda a criação de três figuras para representar e governar a lagoa salgada: uma tutora legal, uma comissão de seguimento conhecida como "guardiães do Mar Menor" e um comité científico.
