Manaus já não tem espaço para enterrar os mortos. As valas comuns abertas há uma semana nos cemitérios não chegam. Os médicos, vindos de outros estados brasileiros, não são suficientes. A pandemia de Covid-19 está a deixar a capital do Amazonas perto do colapso. A situação descrita como um "filme de terror" já chegou ao Papa Francisco.
Corpo do artigo
De uma semana para a outra, Manaus mais que triplicou o número de enterros. De 30 sepultados por dia, o valor médio diário ultrapassa agora os 100. O recorde foi atingido no domingo, e os dados sobre os óbitos deixam transparecer a situação crítica vivida na capital do Amazonas. De acordo com a Prefeitura de Manaus, apenas 10 das 142 mortes do dia 26 de abril estão relacionadas com a Covid-19. Em mais de metade dos casos, a causa da morte é "desconhecida" ou pouco detalhada.
12129811
O cenário em Manaus é preocupante e o sistema de saúde está à beira do colapso. Segundo os dados divulgados esta terça-feira pela Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM), o estado regista 4337 casos de infeção e 351 mortes associadas à doença provocada pelo novo coronavírus. Mais de metade dos infetados (66,8%) estão em Manaus. A taxa de ocupação nas unidades de cuidados intensivos é superior a 90%.
Se situação já era débil antes da pandemia, a crise da Covid-19 só veio adensar o problema. "No Estado do Amazonas, nos últimos 10 anos, o número de leitos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS) já era um número insuficiente para a rede. Isso é importante a população saber. Com a pandemia, nós superlotamos as unidades hospitalares", afirmou Simone Papaiz, secretária de Saúde do estado.
12124736
Os hospitais estão sobrecarregados e há corpos acumulados dentro de carrinhas frigoríficas colocadas à porta dos hospitais. Arthur Virgílio Neto, prefeito de Manaus, admite que o sistema de saúde já colapsou. "É uma cena de filme de terror. Não estamos mais em estado de emergência, mas em absoluta calamidade", lamentou. "As pessoas estão a morrer em casa, algumas talvez porque não receberam atendimento médico". Os médicos enviados para o maior estado do Brasil não chegam e há relatos de pacientes desesperados a implorar por atendimento médico.
A situação alarmante do Amazonas é uma das mais graves do Brasil e já chegou ao Papa Francisco. De acordo com o "Vatican News", o chefe da Igreja Católica telefonou a Dom Leonardo Steiner, arcebispo de Manaus, e mostrou-se preocupado com a evolução da pandemia na região. O Sumo Pontífice perguntou pelos "povos indígenas, os ribeirinhos e os pobres" e enviou uma "bênção especial para a Amazónia".
Corpos são enterrados cinco de cada vez em "trincheiras"
Os cemitérios não têm mãos a medir e os governantes avançam e recuam com medidas para fazer frente à pandemia. Na segunda-feira, a prefeitura anunciou que devido ao elevado número de enterros no município, os caixões iam começar a ser empilhados, uns em cima dos outros, em "camadas triplas" e em "valas mais fundas".
A medida acendeu a chama da revolta na população, que considerou a decisão "desumana". Pedem uma despedida "digna" dos seus familiares. Face ao desagrado manifestado pelo povo, a prefeitura recuou com a decisão e vai manter o modelo das chamadas "trincheiras", de modo a "preservar a identidade dos corpos e o vínculo das famílias".
https://d23t0mtz3kds72.cloudfront.net/2020/04/27abril2020_sarag_coronavirusmanausbra_20200427233036/hls/video.m3u8
A imensidão do caos é visível através das imagens aéreas do cemitério público Nossa Senhora Aparecida, o maior da cidade. Os corpos estão a ser sepultados lado a lado, cinco de cada vez, em valas comuns. Na última noite, as equipas do cemitério tiveram de trabalhar durante a noite para enterrar os corpos. As empresas funerárias já só têm urnas para os próximos dias e a prefeitura apela a que as famílias optem pela cremação.
O novo ministro da Saúde já reconheceu a necessidade de ação imediata na cidade de Manaus. "Essa ação sempre será: planeamento centralizado, execução descentralizada e integrada entre estado e município".