Emigrante luso, de 72 anos, ficou "gravemente ferido" mas encontra-se "fora de perigo". Comunidade portuguesa está "chocada". Forte aparato policial no parque mantém-se.
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Manuel dos Santos Ponte foi apanhado no lugar errado à hora errada. O português, reformado e residente em Annecy, em França, é uma das seis vítimas do ataque que, na quinta-feira, fez estremecer o Le Pâquier, parque de grande dimensão onde, naquele dia, passeava tranquilamente com a mulher. Esfaqueado por duas vezes no pescoço, Manuel foi ainda baleado acidentalmente pela polícia no momento em que tentava fugir do atacante, um cidadão sírio, identificado como Abdalmasih H., que caiu sobre ele. A comunidade portuguesa na cidade está "em choque" perante um ataque pouco usual numa cidade descrita como "pacífica" e "rica".
A curta distância da Rue de la Louvatière, onde reside Manuel Ponte, está a mercearia de produtos portugueses "Souvenirs du Pays", que esta sexta-feira vivia a agitação própria de quem vê a pacata comunidade de emigrantes atingida pela fatalidade.
Rúben Dias, de 28 anos, natural da Praia da Torreira, em Aveiro, é proprietário da loja há dois. Ao JN confirma, por telefone, que o português de quem todos falam se chama Manuel dos Santos Ponte. Alguns dos clientes de Rúben conhecem-no, contam que Manuel passeava naquele dia, como em tantos outros dias, no imenso parque, com uma área para crianças, que é referência na cidade; que se viu encurralado na confusão diante de um atacante que, sem que nada o fizesse prever, começou a esfaquear quem ali se encontrava.
No balanço das vítimas, duas crianças feridas em estado grave, duas com ferimentos ligeiros, tal como um adulto, e um outro adulto ferido com gravidade, Manuel, que foi atingido pela fúria de Abdalmasih, que se encontra em prisão preventiva.
"Ele foi baleado por engano quando tentava fugir. Ia a passear com a mulher, é agredido, tenta desviar-se e fica por baixo do agressor. A polícia vem, dá um tiro na perna do atacante e atinge também o senhor Manuel", conta Rúben ao JN, a reproduzir o que lhe foi descrito pelos muitos clientes e jornalistas que vão passando pela mercearia.
Segundo nota hoje emitida pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, "um cidadão português, ao tentar impedir o atacante de fugir da polícia, ficou gravemente ferido, estando neste momento já fora de perigo". A nota do gabinete do ministro João Gomes Cravinho deixa ainda, "pelo ato de coragem e bravura, uma palavra de profundo agradecimento", garantindo que o Consulado-Geral de Portugal em Lyon está a acompanhar a situação.
"É uma cidade muito pacífica"
Rúben Dias descreve o estado de consternação em que se encontra a comunidade lusa na cidade, que, estima, terá "cerca de 10 mil portugueses", "95% de Viseu". "A maior parte das pessoas estão chocadas. Annecy é uma cidade muito pacífica, não tem bairros sociais. Eu vou ter um filho daqui a um mês e penso: o que é isto?", diz Rúben, que acrescenta: "É uma cidade rica, porque os suíços investem muito na cidade, a Suíça é aqui ao lado".
Ao refugiado sírio, de 31 anos, foi-lhe negado asilo em França no passado domingo, uma vez que tem estatuto de refugiado na Suécia, concedido em 2013. Mudou-se para França em 2022, onde não tem cadastro nem antecedentes psiquiátricos.
Segundo Rúben, ontem havia ainda um forte aparato policial e de militares no parque. "As pessoas dizem que o atacante andava sempre ali com outro homem, também sírio, e a polícia anda à procura desse homem, como prevenção. Há vários dias, ou semanas, que ele dormia no parque, mas tinha um perfil pacífico".
Entre os clientes de Rúben estão dois polícias, que lhe deram conta da dificuldade de arrancar do atacante as motivações para o crime. "Ainda não conseguiram interrogá-lo porque ele só grita, atira-se para o chão. Ainda não conseguiram tirar nada dele".