Estão na linha da frente em combate para defender a pátria russa, mas não deixam de sentir medo, insegurança ou desespero. Milhares de chamadas entre soldados e os seus familiares foram intercetadas e examinadas minuciosamente por especialistas ucranianos. Agora, essas confidências viram a luz do dia.
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Seguem-se apenas três das milhares de histórias a que o jornal britânico "The Guardian" teve acesso e que mostram estratégias, sentimentos e novas formas de vida dos soldados russos.
Andrey, um militar russo, ignorou ordens dos superiores e estabeleceu ligação com a mãe através de um telemóvel não autorizado. A partir daí, foi possível ouvir apenas reclamações: "Ninguém nos alimenta com nada, mãe. A nossa alimentação não presta. Tiramos água de poças, coamos e bebemos". Esta chamada data de 8 de novembro, altura em que as forças do Kremlin começaram a atacar a Ucrânia com bombas de fósforo, mas as promessas de mais e melhor armamento para derrubar o país rival não deram em nada, tal como explicou Andrey à sua mãe.
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A conversa entre o soldado e a mãe durou aproximadamente cinco minutos e meio, tempo suficiente para que Andrey revelasse que se encontrava a viver em Kostroma, uma cidade que fica a nordeste de Moscovo e que rezava todas as manhãs com medo do futuro incerto. Pelo meio ainda perguntou pelos "mísseis de que Putin se vangloriava?" e acabou por revelar que em falta estava "um míssil de cruzeiro Caliber" para que conseguissem lutar. Quanto às preces ficam por saber se foram atendidas ou não, mas a mãe deste homem revelou ao "The Guardian" que o filho não estava com ela.
No dia 6 de novembro, um pai entrou em contacto com colegas do filho que tinha morrido em combate. Às perguntas de um pai que espera respostas sobre a situação dos homens que sobreviveram a um ataque ucraniano, apenas é possível ouvir: "Reforços: não; comunicação: não. Eles disseram que não tínhamos permissão para recuar. Caso contrário, podemos ser fuzilados".
Numa terceira interceção, um soldado na região de Donetsk explica à sua esposa como fugiu com outros três colegas a um dos inúmeros massacres e revela que pretende render-se: "Estou num saco-cama, todo molhado, cheio de tosse, muito mal. Todos fomos autorizados a ser massacrados".
Dmitri Alperovitch, especialista em ciberataque, explicou que na primeira fase da guerra, a falta de controlo e segurança nas comunicações russas era de tal ordem que as conversas sobre estratégias estavam a ser captadas, até mesmo por amadores, graças à utilização de frequências de rádio abertas. Algo que Alperovitch alerta ser cada vez mais raro. Este especialista explica que ainda há muitos soldados "que trazem os telemóveis pessoais para falarem com as famílias, sendo intercetados pelo ar ou por profissionais de telecomunicações ucranianas".
O elevado número de comunicações feitas pelos soldados russos fornece uma orientação muito clara ao adversário sobre as fraquezas destas forças armadas. Erros que um ex-oficial de defesa do Kremlin aponta como pertencentes a uma era soviética, que já não faz sentido: "A doutrina do exército é baseada na punição, então os soldados são penalizados se errarem, mas ninguém os impede de partilharem informações. Falhas como estas vão acontecer até que esta filosofia mude".