Meses sem notícias: o escândalo das mulheres com cancro da mama "esquecidas" pelo sistema

Pelo menos 230 mulheres desenvolveram cancro e três morreram
Foto: Cristina Quicler/AFP
Anabel Cano é uma das centenas de mulheres que desenvolveram cancro de mama durante meses sem saber devido à falta de acompanhamento de uma mamografia realizada na região espanhola da Andaluzia.
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"Eu fui operada quase um ano depois. Se tivessem feito isso um ano antes, talvez não estivesse como agora", afirma a ex-empregada doméstica de 52 anos, que teve que se submeter a uma mastectomia e agora tem apenas um seio.
Em novembro de 2023, fez uma mamografia de rotina e disseram-lhe que, se não fosse chamada em 15 dias, estaria tudo em ordem. Depois de meses sem notícias, Anabel foi chamada para um novo controlo, que detetou o cancro. Foi a primeira vítima das falhas a apresentar uma denúncia contra o Sistema de Saúde da Andaluzia (SAS).
O escândalo foi revelado em setembro pela Amama Andaluzia, uma associação de mulheres com cancro de mama. Segundo a presidente, Ángela Claverol, receberam até agora notificações de cerca de quatro mil mulheres preocupadas por não terem sido contactadas após realizarem mamografias. Alguns exames revelaram anomalias que exigiam acompanhamento nas semanas seguintes. Entre os casos, pelo menos 230 mulheres desenvolveram cancro e três morreram, segundo o último levantamento, ainda provisório, do advogado da associação, Manuel Jiménez.
Testemunhas pertencem à Amama Andaluzia, associação de mulheres com cancro da mama (Foto: Cristina Quicler/AFP)
Apesar de inicialmente referir-se a três ou quatro casos, o governo regional andaluz de direita, alvo de protestos em frente ao Parlamento regional e diante de hospitais, calcula agora que pode haver 2317 mulheres afetadas pela falta de acompanhamento. Por seu lado, as autoridades locais asseguram à AFP que não estão cientes de nenhum caso de cancro ou morte.
"Nesta doença, o tempo conta", afirma Amparo Pérez, uma ex-cabeleireira de 56 anos. Após realizar os exames em junho de 2023, meses passaram-se até saber que deveria fazer exames complementares. Precisou de submeter-se a uma dupla mastectomia em fevereiro de 2024.
O primeiro-ministro, o socialista Pedro Sánchez, criticou o Executivo regional, acusando-o de ser responsável por um "processo de privatização" da saúde que levou à precariedade dos serviços. "Antes bastava uma chamada, breve e rotineira, para evitar um sofrimento imenso a muitas pessoas. Mas essa chamada nunca chegou e o mais grave é que ainda se desconhece o motivo", indicou Sánchez recentemente no Congresso dos Deputados.
Mulheres tiveram de ser submetidas a mastectomias (Foto: Cristina Quicler/AFP)
Claverol lamenta a "omissão, o descaso e a incompetência" para explicar as falhas, que serão consequências de um sistema "muito burocratizado", sugere Rafael Ojeda, presidente do sindicato de médicos SMA.
O Ministério Público da Andaluzia investiga possíveis "deficiências na prestação" de serviços de saúde. O governo regional anunciou um plano de emergência de 12 milhões de euros, prometendo mais contratações e vários responsáveis foram obrigados a renunciar.
A indignação, no entanto, está longe de se dissipar e pode ser um preço caro para os dirigentes locais, a poucos meses de eleições regionais cruciais na Espanha.
