O caldo começou a entornar para o até agora globalmente poupado Governo italiano na gestão da crise sanitária que transformou a Itália num cenário de guerra.
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Anuncia-se uma moção de censura. Porque a contenção da epidemia no meio prisional colocou em prisão domiciliária... 376 líderes mafiosos. Serão idosos e doentes, portanto população de risco, mas isso não convence nem a oposição, nem as organizações de luta contra a Máfia, nem, sequer, muitos procuradores. O diretor dos Serviços Prisionais já se demitiu.
Franco Catalado, 85 anos, Cosa Nostra. Raptou e dissolveu em ácido o filho de um informador. Francesco Bonura, 78, Cosa Nostra. Assassinou e extorquiu dinheiro. Vincenzino Iannazzo, 65, "Ndrangheta calabresa. Rocco Santo Filippone, 72, "Ndrangheta calabresa. Atacou - e matou - carabinieri (polícias) a soldo do patrão "Toto" Riina (que ordenou a morte do juiz Giovani Falcone). Pasquale Zagaria, 60 anos, Camorra, clã dos Casalesi. Foi o cérebro económico da organização e urdiu contratos públicos milionários. São alguns com problemas de saúde, apenas. Somam-se muitos, de condenações mais antigas, a abeirar o fim da pena, centenas. Entre eles, alguns históricos.
Claro, o líder da oposição, o populistas de extrema-direita Matteo Salvini, ex-ministro do Interior, não perdeu a oportunidade. Ainda que a sua voz, nesta altura e estranhamente, seja pouco audível - Salvini é da Lombardia, onde o seu partido está no poder e onde a Covid-19 fez mais destruição.
Saviano e magistrados
O mesmo não se pode dizer dos ativistas antimáfia, entre eles o jornalista e escritor Roberto Saviano, obrigado a viver sob proteção policial devido às ameaças de morte de que é alvo desde que editou o seu famoso "Gomorra". Porque se as razões de saúde são atendíveis para todos, não podem sê-lo em prisão domiciliária sem pulseira eletrónica.
Até porque, à libertação destes condenados soma-se o poder que as máfias foram reconstruindo no alvor da pandemia, distribuindo ajuda a populações necessitadas de Nápoles, Palermo e Reggio Calabria, granjeando uma crescente influência e gratidão - que pode, agora, ajudá-los a esconder-se.
A moção de censura visa especificamente o ministro da Justiça, Alfonso Bonafede, membro do Movimento 5 Estrelas e um dos responsáveis pela escolha do nome de Conte para primeiro-ministro.
Bonafede tem no procurador Nino Di Matteo um dos maiores críticos. O homem que investiga as ligações entre as máfias e o Estado acusa o ministro de ter travado a sua ascensão na Direção dos Serviços Prisionais por pressão dos mafiosos. O Governante rejeita a acusação "infame" e defende-se: a libertação dos presos no âmbito da contenção da pandemia é da responsabilidade de juízes, não do Ministério. E retificou a legislação, enquadrando um desencarceramento mais adequado dos mafiosos. Não obstante, espera-o uma moção da oposição de centro-direita.