<p>João Bernardo "Nino" Vieira, presidente da Guiné-Bissau, era defendido por uma espécie de guarda pretoriana que de nada lhe valeu: depois de o chefe das Forças armadas ser morto, à bomba, abateram-no a tiro.</p>
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Da imensidão de reacções que ontem foram sendo conhecidas, houve uma que destoou da unanimidade encomiástica, a de Mário Soares: "Ele era um homem violento, em si próprio, e morreu na violência". Nino Vieira foi abatido a tiro, em casa e de madrugada, por militares, horas depois de ter sido assassinado o general Tagmé Na Waié, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas.
É sabido que desde o regresso de a Bissau, depois do exílio em Portugal, Nino Vieira vivia numa espécie de paz podre com o comandante militar, e a desconfiança mútua acentuou-se nos últimos meses. E, apesar das declarações contraditórias, a relação entre os dois acontecimentos parece muito clara. O capitão de fragata José Zamora Induta, vice-chefe do Estado-Maior da Armada, protagonizou a confusão de palavras. Ele que domingo à noite havia sido claro, apontando Nino como "um dos principais responsáveis pela morte de Tagmé", veio ontem dizer que "a morte do chefe do Estado-Maior das Forças Armadas nada tem a ver com a do presidente Vieira".
O mesmo Zamora Induta insistiu na ideia de que o assassínio do presidente não preconiza mudanças de regime. "Não aceitamos que isto seja interpretado como um golpe de Estado. Repito: isto não foi um golpe de Estado. O presidente foi morto por um grupo de pessoas que nós não conhecemos".
Domingos Simões Pereira, secretário Executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), cujo Comité de Concertação Permanente esteve reunido de emergência, em Lisboa, também descartou as informações respeitantes a um eventual golpe de Estado (lançadas, por exemplo, pelo presidente da Comissão da União Africana), fazendo um apelo: "É de lamentar a situação, condenar veementemente o facto e esperar que, apesar da gravidade da situação, seja possível respeitar a ordem interna e as instituições democraticamente estabelecidas".
Domingos Simões Pereira faz parte de uma delegação da CPLP, chefiada pelo secretário de Estado da Cooperação do Governo português, João Gomes Cravinho, que ontem mesmo partiu para Bissau a fim de avaliar a situação. Embora as tropas estivessem na rua e as fronteiras tenham sido encerradas, não havia indicações de enorme agitação na Guiné-Bissau (mas a viúva refugiou-se na embaixada de Angola e vários próximos de Nino pediram ajuda às Nações Unidas). Os militares juraram obediência ao poder político e, em cumprimento do preceituado na Constituição, a chefia do Estado foi assumida interinamente pelo presidente da Assembleia Nacional Popular, Raimundo Pereira, cujo primeiro acto foi decretar sete dias de luto nacional. Seguir-se-á, caso tudo decorra com normalidade, um processo destinado à realização de eleições.
João Bernardo Vieira é o 17.º presidente africano assassinado nos últimos 60 anos, sendo o primeiro num dos países que foram colónias portuguesas. Em Novembro último, foi notícia um outro ataque à residência de Nino Vieira. Os militares alegadamente envolvidos, detidos desde então nas antigas instalações da Polícia Judiciária, foram ontem libertados por um grupo de camaradas.