Mover o útero para o abdómen: autotransplante pioneiro protege fertilidade de mulher com cancro
Hospital em Barcelona realizou o primeiro autotransplante de útero em Espanha. Paciente de 36 anos foi diagnosticada com cancro do reto e queria evitar efeitos secundários dos tratamentos oncológicos na sua fertilidade.
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Quando Rebeca Delgado, de 36 anos, foi diagnosticada com cancro do reto, soube que o tumor poderia afetar a possibilidade de ter filhos no futuro, já que o tratamento de quimioterapia e radioterapia poderia afetar o útero e os ovários, podendo causar infertilidade e menopausa precoce.
Os médicos do Hospital del Mar, em Barcelona, sugeriram que Rebeca se submetesse a uma técnica experimental, que incluía a transposição uterina, que consiste em deslocar temporariamente o útero e os ovários para a cavidade abdominal, uma posição onde estarão livres dos efeitos da radiação, preservando a capacidade de gestação, de acordo com um comunicado do hospital.
Sem filhos nem companheiro, a paciente ainda não sabia se queria ter filhos. "Tive de decidir de um dia para o outro. Eu não tinha pensado em filhos, mas no momento em que dizem que não os podemos ter, não é a mesma coisa. Fiquei muito nervosa, mas os ginecologistas deram-me muita confiança e segurança”, contou, em declarações ao jornal espanhol "La Vanguardia".
Rebeca passou pelo procedimento em novembro de 2023, antes do início da radioterapia, altura em que o útero e os ovários, que se localizam entre a bexiga e o reto, foram movidos para cima, ficando à altura do umbigo. De acordo com o jornal espanhol "El País", optou-se por administrar um tratamento que inibe a função dos ovários, ficando a mulher numa "pseudomenopausa" para evitar que menstruasse no abdómen. Desta intervenção, só se lembra de ter sentido algumas dores abdominais nos dias seguintes.
Em meados de dezembro, a mulher iniciou a radioterapia e, posteriormente, a quimioterapia. Depois, em junho passado, foi submetida a uma dupla intervenção: devolver os órgãos reprodutores à posição anatómica tradicional e retirar os restos do tumor que restavam.
As duas intervenções foram feitas com cirurgia robótica para minimizar o seu impacto.
Primeiro autrotransplante de útero em Espanha
Foi a primeira vez que alguém se submeteu a um autotransplante de útero em Espanha. No Mundo, apenas 22 pessoas realizaram esta cirurgia. “É uma técnica que um cirurgião brasileiro iniciou para casos de mulheres que necessitam de radioterapia pélvica. Foi realizado em tumores vaginais e vulvares em pacientes jovens, embora seja muito raro. Agora foi estendido a pacientes com cancro no reto localmente avançado”, disse Gemma Mancebo, diretora de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital del Mar, em declarações ao "El País".
Duas pacientes submetidas a essa técnica já tiveram filhos: uma no Brasil em 2022 e outra nos Estados Unidos em março passado.
Porém, Mancebo explica que esta técnica não é para todos nem para todos os tipos de tumores: o cancro do reto tem de estar localizado e a paciente deve ter boas condições iniciais para não correr o risco de atrasar o tratamento oncológico nem de haver situações no abdómen que compliquem a cirurgia. “Temos que garantir essa viabilidade sem comprometer o resultado oncológico”, remata.