"Mulherosfera": mulheres conservadoras pró-Trump que tentam travar o feminismo e o progresso
Movimento conservador de mulheres cresce nos Estados Unidos, acompanhando a curva ascendente dos movimentos de extrema-direita.
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É um dado adquirido que os movimentos de extrema-direita têm ganhado lastro entre as gerações mais novas, sobretudo nos núcleos de jovens rapazes, aliciados por uma visão de masculinidade promovida pelas narrativas conservadoras: análises aos resultados das presidenciais norte-americanas de 2024 mostraram que a chamada “machosfera” – grupo de influenciadores e youtubers populares entre o público masculino que propaga ideais orgulhosamente misóginos – ajudou a entregar a vitória a Donald Trump (de acordo com uma pesquisa da agência de notícias Associated Press, 56% dos homens com menos de 30 anos votaram em Trump, em comparação com 41%, quatro anos antes).
Mesmo em Portugal, revelou há poucos dias um estudo do "European Policy Centre" (centro de estudos independente que visa a integração europeia), os rapazes votam cinco vezes mais na extrema-direita do que as raparigas, influenciados por promotores de discursos androcentristas que têm o seu expoente máximo no ex-kickboxer britânico-americano Andrew Tate.
À semelhança desse fenómeno, que se tem manifestado com um aumento global do discurso misógino e violento, começou a despontar mais recentemente um movimento parecido mas direcionado para o público feminino jovem dos EUA - um dos poucos grupos que ainda se alinha maioritariamente aos democratas no país. A “womenosphere” (ou “mulherosfera” em tradução livre), escreve o "The Guardian", é o nome dado a esse núcleo conservador que procura explorar temas femininos e da cultura pop como uma nova frente na guerra cultural da extrema-direita. De mulheres que se posicionam nos antípodas do feminismo, embora sem ele nunca pudessem posicionar-se ideologiamente nem politicamente, para mulheres que querem arregimentar para as suas fileiras.
Embora as figuras por detrás desses canais tenham estilos e estratégias diferentes, unem-se em torno de um ideal de mundo definido por género que atribui à mulher o papel de dona de casa submissa e ao homem o de provedor forte. Assim como os influenciadores da “machosfera”, as vozes da "mulherosfera" defendem a crença de que os conservadores são a verdadeira minoria oprimida, alegando que a comunicação social e Hollywood promovem uma propaganda feminista e que, por isso, devem ser combatidos.
Reverter conquistas e direitos
Embora se apresentem como pensadoras independentes, essas influenciadoras debitam uma ideologia alinhada pela agenda da administração Trump, que passa por reverter direitos sexuais e reprodutivos, bem como proteções conquistadas ao longo das últimas décadas para pessoas LGBTQIA+. Comentadoras políticas com presença digital, como as norte-americanas conservadoras Brett Cooper e Candace Owens, são veículo de uma visão do mundo essencialista de género, em que este ocupa uma posição social regulada por normas e à qual certos papéis sociais são atribuídos de forma estanque. E também dão gás a teorias da conspiração e a opiniões anti-ciência.
Brett Cooper, que publica vídeos quinzenais comentando questões sociais e culturais, a partir de um prima conservador, teve o segundo canal político de maior crescimento no YouTube no primeiro trimestre de 2025, com mais de 900 mil novos inscritos. No Spotify, 60% do seu público é composto por mulheres. Num episódio recente, a comentadora de Direita juntou-se ao coro de críticas do breve voo espacial em que participaram Katy Perry, Gayle King e Lauren Sánchez, todas mulheres, mas não por causa da razão que indignou a maioria (os exorbitantes gastos financeiros e o impacto ambiental associados à viagem). O que revoltou Cooper foi o facto de as mulheres em causa serem "completamente dependentes dos homens que construíram a nave espacial" e a "civilização" no geral.
A par das redes sociais, um dos locais que veiculam esse tipo de discurso é a revista "Evie", criada por um casal do Utah que promove um estilo de vida "tradicional": ela, Hannah Neeleman, do canal de sucesso no TikTok "Ballerina Farm", cuida do marido, dos oito filhos e da fazenda onde vivem, e faz disso conteúdo para a Internet - um conteúdo que lhe rendeu mais de 10 milhões de seguidores no Instagram.
Algumas matérias da "Evie" trazem títulos como "Quer que o seu marido te engravide? Cozinhe estes 10 pratos para ele” ou “Porque é que eu amo ser uma mãe jeitosa”. Além disso, enquanto revistas e órgãos de comunicação têm vindo, há vários anos, a tentar enfatizar o bem-estar geral em vez da magreza e da aparência, a revista critica esse movimento, que chama de “descontrolado”, criticando comummente a aparência de mulheres que não encaixam no estereótipo de beleza.