A retirada das sanções impostas pelos EUA à Síria, anunciada por Donald Trump na terça-feira, é mais um exemplo da normalização das relações diplomáticas com a Síria. A reaproximação com Damasco, governada pelo ex-líder de uma organização considerada terrorista pela ONU, ocorre durante episódios de violência sectária.
Corpo do artigo
É a “hora de brilhar” dos sírios, considera o presidente norte-americano, que classificou as sanções da época do Governo de Bashar al-Assad, deposto em dezembro, como “brutais e incapacitantes”. “Ordenarei a cessação das sanções contra a Síria para lhes dar uma oportunidade de grandeza”, disse Trump na Arábia Saudita.
O anúncio foi celebrado nas ruas da Síria e pelo Executivo. “A remoção destas sanções oferece uma oportunidade vital para a Síria procurar estabilidade, autossuficiência e reconstrução nacional significativa, liderada por e para o povo sírio”, apontou o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Damasco.
O chefe de Estado norte-americano chegou a reunir-se com o homólogo sírio, Ahmed al-Sharaa, esta quarta-feira, em Riade – num encontro que contou com a participação do líder turco, Recep Tayyip Erdogan, via online.
O presidente da Síria ouviu de Trump alguns pedidos: que deporte “terroristas palestinianos”, assine “os Acordos de Abraão com Israel” – que estabelece relações diplomáticas com Telavive – e assuma “a responsabilidade pelos centros de detenção do ISIS [grupo autointitulado Estado Islâmico] no Nordeste” do país. A região atualmente é controlada por guerrilhas curdas, rivais da Turquia.
A reunião entre Sharaa e Trump não foi a primeira do novo líder de Damasco com uma autoridade ocidental. O chefe de Estado sírio esteve em Paris, na última semana, e discutiu com Emmanuel Macron a reaproximação da Síria.
O próprio presidente francês pediu para que os Estados Unidos suspendessem as sanções. “O interesse de todos, incluindo os americanos, é agir hoje e acompanhar-nos no levantamento das sanções ao povo sírio”, discursou o ocupante do Eliseu. “Várias nações aliadas têm hesitações, trabalharemos para dissipar essas dúvidas, acrescentou.
O Conselho Europeu retirou algumas “medidas restritivas” em fevereiro, com outras sanções previstas para expirar em junho deste ano. O rascunho de um documento interno da União Europeia, revelado pela agência Reuters, deixa um alerta: “A evolução da situação de segurança na Síria poderá levar ao ressurgimento de grupos jihadistas na região, quer com risco de saída do território sírio, eventualmente para a Europa, quer através da ativação remota de jihadistas no continente europeu”.
Violência sectária
A situação ainda instável numa Síria dividida por fações está a provocar casos de violência sectária. Em março, mais de 1600 pessoas, grande parte da minoria alauita (a mesma do ex-presidente Assad), foram mortas nas regiões costeiras do país, a Noroeste, de acordo com o Observatório Sírio para os Direitos Humanos, com sede no Reino Unido.
No final de abril e no início deste mês, confrontos entre forças pró-Damasco e grupos da minoria etnorreligiosa drusa provocaram mais de uma centena de mortos nos arredores da capital síria. O episódio provocou uma resposta de Israel, que prometeu proteger os drusos – que têm uma comunidade no Estado hebraico – e fez ataques aéreos. Desde a queda de Assad, Telavive expandiu a ocupação no território sírio e destruiu diversos equipamentos militares do país vizinho, evitando que as autoridades islamitas cheguem perto da fronteira israelita.
O presidente da Síria alegou, em Paris, “que elementos do antigo regime [Assad] aproveitaram a situação para reacender a guerra”. “Lançámos uma comissão de investigação e uma comissão de reconciliação”, salientou Sharaa.
O chefe de Estado de Damasco, conhecido anteriormente pelo nome de guerra Abu Mohammed al-Golan, liderava o grupo sunita Hayat Tahrir al-Sham, braço do al-Qaeda na Síria. A organização islamita, designada terrorista pelo Conselho de Segurança da ONU e pela União Europeia, foi dissolvida com a queda de Assad, mas muitos dos seus membros, incluindo o atual presidente sírio, estão a ocupar posições de destaque no Executivo – que promete ser de transição.
Dos 23 ministros, há uma cristã (a única mulher do Governo), um curdo (mas não pertencente aos grupos que dominam partes do território do país), um alauita e um druzo. Os restantes são muçulmanos sunitas.