O mundo está a falhar em proteger as crianças dos horrores da guerra, afirmou esta quarta-feira a UNICEF.
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O número de violações graves contra menores em conflitos armados aumentou 25%, sendo Gaza o lugar do mundo mais afetado, indicou a diretora de Proteção à Criança do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), no debate anual do Conselho de Segurança sobre crianças e conflitos armados.
O ano passado foi aquele em que mais menores foram recrutados, raptados, violados ou viram a assistência humanitária negada, desde que há registo, destacou Sheema SenGupta.
SenGupta destacou o caso de Gaza, foi registado o número mais elevado de violações graves, desde que há 20 anos o Conselho de Segurança estabeleceu o Mecanismo de Monitorização e Comunicação.
"Neste contexto, e noutros, estamos a assistir a uma quebra nas proteções básicas a que cada uma destas crianças tem direito. Não apenas como uma questão legal, mas como uma questão de decência humana", disse.
O uso crescente de armas explosivas em áreas povoadas é atualmente a principal causa de mortes de crianças em muitos conflitos no mundo, sendo responsável por mais de 70% de todos os assassínios e casos de mutilação.
"Estas armas destroem casas, escolas, hospitais e abrigos, mesmo com famílias amontoadas dentro de casa, na esperança de serem poupadas", explicou a representante da UNICEF.
Por trás das 22.495 crianças que foram alvo de violações graves no ano passado "estão nomes, rostos e vidas", frisou Sheema SenGupta, contanto que no Sudão, por exemplo, uma rapariga de 14 anos foi violada em grupo na casa da família.
Na Nigéria, seis rapazes com idades entre os 9 a 12 anos encontraram um objeto metálico e levaram-no a um soldador para o venderem como sucata. A munição explodiu enquanto o soldador a examinava, matando-o a ele e aos rapazes, contou.
"Acontece todos os dias, a uma escala inimaginável", alertou.
O aumento de 35% dos casos de violência sexual em contexto de conflito tem alarmado a ONU, garantindo existir uma subnotificação de casos, devido ao estigma, vergonha ou receios de retaliação.
Uma criança violada a cada 30 minutos
Só na República Democrática do Congo, nos primeiros dois meses de 2025, quase 10 mil casos de violação e violência sexual foram reportados por parceiros da ONU de proteção de crianças. Mais de 40% das pessoas afetadas eram crianças.
"Em poucas palavras: durante este período turbulento, estimamos que uma criança foi violada a cada 30 minutos", afirmou a diretora.
"As crianças não são danos colaterais. Não são soldados. Não são moeda de troca. São crianças. Merecem estar seguras. Merecem justiça. Merecem um futuro", alertou.
A representante da UNICEF pediu ao Conselho de Segurança para que não permita que estas graves violações contra crianças continuem sem controlo: "Isto não pode ser o novo normal".
Na reunião esteve também a representante especial da ONU para as Crianças e Conflitos Armados, Virginia Gamba, que descreveu os horrores sofridos por crianças em várias guerras, denunciando que os beligerantes "parecem optar por resolver as disputas militarmente, a um custo enorme para as crianças, em vez de escolherem negociar a paz para o benefício" de todos os menores.
Gamba criticou ainda a negação do acesso humanitário, que se tornou um dos obstáculos mais graves à proteção de crianças em zonas de conflito como Gaza, Haiti e Darfur.
"Não podemos continuar a assistir passivamente, sem fazer nada, ao que está a acontecer com as crianças em todo o mundo, especialmente em Gaza. A escala de destruição e sofrimento enfrentada pelas crianças de Gaza desafia e contradiz todos os padrões humanos", insistiu, referindo-se ao bloqueio israelita à assistência que entra no enclave.
Antes do debate, 12 dos 15 membros do Conselho de Segurança emitiram um comunicado conjunto em que condenaram as violações e abusos cometidos contra crianças, assim como a impunidade em torno desses crimes, e defenderam a responsabilização dos agressores.
Argélia, China, Dinamarca, França, Grécia, Guiana, Paquistão, Panamá, Coreia do Sul, Serra Leoa, Eslovénia e Reino Unido assinaram o comunicado, tendo ficado de fora Estados Unidos, Rússia e Somália.