Líderes de movimentos da Oposição continuam, no século XXI, a ver a liberdade de expressão e os direitos ideológicos condicionados pelos governos. Estão detidos sob acusações "convenientes".
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A democracia está a deteriorar-se e, no ano passado, o número de nações totalmente livres atingiu o número mais baixo dos últimos 15 anos, revela o relatório da organização não-governamental Freedom House. A expansão dos governos autoritários é cada vez mais visível e as inúmeras detenções de políticos da Oposição, manifestantes e ativistas são o reflexo disso mesmo. Os casos repetem-se, uns mais conhecidos, outros menos, mas a tendência repressiva estende-se a quase todos os continentes.
Rússia
Alexei Navalny preso há quase dois meses
Um dos casos mais recentes e polémicos é o de Alexei Navalny, advogado e líder da Oposição russa, de 44 anos, que foi, alegadamente, envenenado por membros das forças de segurança do Governo de Vladimir Putin. Esteve 32 dias em coma e cinco meses em tratamentos na Alemanha. No regresso ao seu país, a 17 de janeiro, foi detido por violar a liberdade condicional durante o tempo do coma. Conhecido por denunciar a corrupção no círculo do partido de Putin, que acusa de liderar um "estado feudal", com todo o poder concentrado no Kremlin, Navalny já foi preso dezenas de vezes devido à organização de protestos antigoverno. Os apelos pela libertação do opositor e as sanções aplicadas pela comunidade internacional a Moscovo parecem não surtir efeito e o opositor mantém-se atrás das grades. Mas a forte influência de Navalny continua a motivar milhares de russos e, mesmo preso, tem liderado manifestações e divulgado provas da corrupção no Executivo de Putin.
Bielorrússia
Maria Kolesnikova não admite deixar o país
Flautista, professora de música e ativista, Maria Kolesnikova, 38 anos, é uma das principais figuras da Oposição bielorrussa. Foi presa em setembro, depois de, juntamente com outras duas mulheres - Svetlana Tikhanovskaya e Veronika Tsepkalo -, ter tentado defrontar o presidente da Bielorrússia, Alexander Lukashenko. O escrutínio foi polémico devido às suspeitas de fraude, mas Lukashenko foi reeleito. As três mulheres não mais tiveram sossego. Kolesnikova foi detida na fronteira com a Ucrânia, depois de se recusar a ir para o exílio, alegadamente, forçado. Em fevereiro, foi indiciada pela fundação de uma organização extremista e conspiração para tomar o poder por meios anticonstitucionais. Estará numa prisão de Minsk, a capital, mas, ao certo, não se sabe do paradeiro de Maria.
Geórgia
Nika Melia: levado à força da sede do partido
As histórias repetem-se, apesar de os países serem diferentes. Em Tiblissi, os ânimos fervilharam após a detenção de Nika Melia, líder do partido da Oposição Movimento Nacional Unificado, na Geórgia. Foi levado pela Polícia durante uma operação violenta na sede do partido, onde os agentes usaram gás lacrimogéneo para dispersar apoiantes, alguns dos quais se tinham barricado com Melia. A detenção acabou por levar o primeiro-ministro, Giorgi Gakharia, à demissão, por discordar com a decisão do tribunal de Tiblissi que ordenou a prisão preventiva de Melia. O político, de 41 anos, foi acusado de organizar "atos de violência", ao ter, alegadamente, incentivado uma multidão a invadir o Parlamento, em 2019. Pode ser condenado até nove anos de prisão.
Myanmar
Suu Kyi, de Nobel da Paz a líder detida
Todos sabiam que a democracia em Myanmar era uma criança e as fragilidades estavam à mostra. No início do mês passado, deu-se a rutura, com os militares a executar um golpe de Estado e a tomar conta do poder. Aung San Suu Kyi, líder de facto do país, foi detida. Premiada, em 1991, com o Nobel da Paz, pela luta não-violenta contra a sua prisão domiciliária, de 15 anos, Suu Kyi, que não era opositora política, mas, sim, líder do país, foi detida a 1 de fevereiro e ninguém a viu durante um mês. Alegadamente, está em prisão domiciliária, mas membros do seu partido dizem não saber onde se encontra agora. O país está em ebulição e os confrontos entre os birmaneses que pedem a libertação da líder de facto e as forças de segurança têm escalado, havendo já dezenas de mortos.
China
Joshua Wong luta por Hong Kong
Com apenas 24 anos, Joshua Wong é um dos ativistas mais proeminentes de Hong Kong, ex-colónia britânica e, nos dias de hoje, Região Administrativa Especial da China. Figura importante do movimento pró-democrático,Wong cumpriu, com 22 anos, dois meses de prisão por participar no "Movimento dos guarda-chuvas", que bloqueou o território durante 79 dias em 2014. Em dezembro, foi condenado a 13 meses e meio de cadeia, acusado de conspiração para cometer subversão, ao organizar primárias eleitorais não oficiais para selecionar candidatos da Oposição para os assentos na legislatura.
Nicarágua
Jaime Navarrete soma penas e mazelas
A liberdade política parece também não reinar na Nicarágua. Jaime Navarrete, 37 anos, conhecido opositor do presidente, Daniel Ortega, está preso desde o verão de 2019, acusado dos crimes de porte de armas restritas e posse de narcóticos. Navarrete já tinha cumprido, em 2018 e 2019, 360 dias de prisão por participar em protestos contra Ortega e a mulher, vice-presidente do país. Segundo os familiares e os companheiros de cela, o opositor político foi espancado durante o tempo em que esteve preso, tendo ficado com convulsões crónicas. Para Navarrete, o futuro não augura nada de bom: o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu um recurso de cassação interposto em abril de 2020 e esgotou os apelos. A única opção será, agora, recorrer a organizações internacionais.
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"Não livres"
Os continentes com a maior percentagem de países "não livres" são Ásia e África, indica o relatório da Freedom House, que adianta que o número de países com aquele estatuto é agora 27% dos 195 considerados. Na Europa, recebem esse selo Turquia, Ucrânia, Bielorrússia e Rússia. Na América Central e do Sul, Cuba, Nicarágua e Venezuela estão também classificados como países sem liberdade democrática.
Pandemia calou
Vários governos no Oriente Médio e no Norte da África aproveitaram as medidas impostas para conter a pandemia de covid-19 para fortalecer as forças dos regimes e calar protestos contra os governos, revela o mesmo relatório.