A União Europeia vive o momento mais complicado desde a sua fundação enquanto nos corredores de Bruxelas se negoceiam os últimos detalhes das multimilionárias ajudas europeias contra a crise provocada pela pandemia de covid-19.
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Com a saída de Mário Centeno da presidência do Eurogrupo, os países mediterrânicos, claramente mais afetados pela epidemia, perderam influência nas decisões-chave. Mas podem recuperá-la no próximo dia 9 de julho, se os eurocratas optarem pela candidatura da espanhola Nadia Calviño.
Além de continuar com a linha social-democrata imposta pelo próximo presidente do Banco de Portugal, a atual terceira vice-presidente do Governo espanhol e ministra dos Assuntos Económicos e Transformação Digital conta com um passado de excelência em Bruxelas, o que a coloca como favorita na corrida ao patamar mais alto do Eurogrupo.
Carreira Europeia
Depois de se licenciar em Economia e Direito, Calviño aterrou na Bélgica em 2006 para trabalhar como diretora-geral de Competência, um dos cargos com maior peso na UE. Em 2014, passa a diretora-geral do Orçamento da Comissão Europeia, onde lhe coube preparar as contas da Europa para esta década. A economista decidiu voltar a Madrid em 2018, quando foi recrutada pelo primeiro-ministro socialista, Pedro Sánchez, para ministra da Economia.
Defensora da economia ortodoxa, a tecnocrata galega revela uma grande capacidade como mediadora na hora de chegar a acordos, como tem vindo a demonstrar em Espanha, onde tem tido um papel de travão às propostas mais liberais da ala mais radical do executivo, liderada por Pablo Iglesias, líder da formação Unidas Podemos.
O carácter de Calviño está mesmo a converter-se em dor de cabeça para Iglesias, vice-presidente como ela, que viu a sua proposta de revogar integralmente a reforma laboral durante a pandemia receber a rápida oposição da galega. A ministra chegou a qualificar a medida de "absurda".
Apoios somam-se
Sánchez conhece na perfeição a boa reputação de Calviño entre os grandes empresários europeus e não hesitou em apostar nela como ligação entre Espanha e Bruxelas. Porém, esse fator pode jogar contra a galega na eleição. Calviño vai ter de lidar com a grande divisão Norte-Sul que existe na Europa e demonstrar com mão de ferro que a nacionalidade é indiferente na hora de chegar a acordos com todos os países para fechar, definitivamente, as feridas da crise económica de 2008.
Os países do Norte da Europa desconfiam que a economista espanhola não atue objetivamente na hora de repartir os milhões do fundo de recuperação pós-covid-19, dadas as dificuldades de Espanha em cumprir com os princípios orçamentais europeus. Segundo o diário espanhol "El País", a sua candidatura conta já com o apoio de Portugal, Grécia, Itália, Alemanha e França. Precisará de mais cinco.
Calviño já ofereceu um esboço dos principais objetivos caso alcance a presidência do Eurogrupo. O primeiro será estabelecer "bases sólidas" para assegurar uma "recuperação económica estável", assente num "crescimento sustentável" e na "criação de emprego de qualidade", sob o signo de uma "transição digital e ambiental".
A segunda oportunidade do luxemburguês Pierre Gramegna
Às vezes, o destino oferece segundas oportunidades. O ministro das Finanças do Luxemburgo, Pierre Gramegna, que perdeu a presidência do Eurogrupo para Mário Centeno em 2017 numa segunda votação secreta, tenta-a agora. Com mais de seis anos à frente das Finanças luxemburguesas, aposta na sua veterania e no papel do seu país como intermediário entre os blocos Norte e Sul para tentar ganhar apoiantes.
Perante a crise sanitária, o Luxemburgo posiciona-se junto dos países mediterrânicos, mas a ideologia de Gramegna aproxima-se mais do Norte da Europa em matéria fiscal. Contudo, o luxemburguês pertence a um partido liberal que conta apenas com quatro apoiantes das mesmas linha no Eurogrupo. Os especialistas consideram Gramegna uma boa alternativa para os países pequenos que preferem não ser governados por um país maior, como Espanha, ainda que esta seja apoiada por gigantes como França ou Alemanha.
Uma das suas propostas mais interessantes é aprofundar o crescimento da União Económica e Monetária. E um dos seus principais problemas é a nacionalidade: o primeiro presidente do Eurogrupo foi o luxemburguês Jean-Claude Juncker e passou oito anos no cargo.
Instabilidade política compromete irlandês Paschal Donohoe
Desde a vitória do Sinn Fein nas eleições de fevereiro, a Irlanda vive uma situação política instável que poderá afetar a candidatura de Paschal Donohoe. O ministro das Finanças em funções é do conservador Fine Gael, que só ontem aprovou a grande coligação governamental com o centrista Fianna Fail e os Verdes. Da repartição de competências entre os três depende em grande parte o futuro de Donohoe como ministro das Finanças, condição obrigatória para presidir ao Eurogrupo.
Antes de chegar ao cargo, passou pelos Assuntos Europeus, Transporte, Turismo e Desporto entre 2014 e 2016. Em Bruxelas, é prestigiado dentro do Partido Popular Europeu que ainda é o que conta com mais Governos no Velho Continente. Com ideais mais próximos dos defendidos pelos países do Norte, opõe-se a Calviño. Mas a tradicional posição neutral da Irlanda nas discussões Norte-Sul pode outorgar-lhe mais hipóteses.
Porém, segundo fontes de Madrid, a candidatura de Donohoe pode ter um objetivo indireto que nada tem a ver com o Eurogrupo. Com a jogada, a Irlanda tenta obrigar Espanha a retirar da corrida à Organização Mundial do Comércio Arantxa González Laya, ministra dos Negócios Estrangeiros, em prol de Phil Hogan, ministro do Comércio irlandês.
Pormenores
A eleição
A eleição para a presidência do Eurogrupo realiza-se por maioria simples e participam na votação os ministros das Finanças dos 19 países da Zona Euro, pelo que é necessário um mínimo de dez votos para vencer. Até ao dia marcado - 9 de julho - o candidato com menos apoios retira-se da corrida e endossa uma das restantes candidaturas.
A reação
O ex-ministro das Finanças português e presidente cessante do Eurogrupo, Mário Centeno, saudou o "excelente conjunto de candidatos" à sua sucessão, o que demonstra a relevância atual do grupo informal no que toca a assegurar a estabilidade e prosperidade da Zona Euro.