Para responder às novas necessidades da NATO, o país também terá de disponibilizar mais meios militares, o que "será negociado" com a Aliança.
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Com a aprovação do novo Conceito Estratégico da NATO, que coloca a Rússia como a maior ameaça à segurança transatlântica, a Aliança Atlântica pretende aumentar a capacidade de resposta militar no flanco leste da Europa. Desta forma, em vez dos habituais 40 mil militares, a organização quer ter à disposição pelo menos 300 mil combatentes, aumentando em mais de sete vezes a bolha de defesa territorial. Portugal, um dos 30 estados-membros, também terá de expandir os esforços, mas até que ponto terá facilidade em movimentar força humana e disponibilizar meios?
Segundo o tenente-general Formeiro Monteiro, Portugal dificilmente poderá dar resposta, podendo apenas enviar unidades ao nível da companhia.
"Portugal pertence à NATO desde 1949 e nunca falhou, não é agora que vai falhar. O que nos for pedido será negociado, tal como acontecerá com qualquer outro membro", assegura Azeredo Lopes, que foi ministro da Defesa de Portugal entre 2015 e 2018, explicando que a própria organização deverá fazer o que sempre fez: "olhar para cada um dos membros à luz da contribuição que é razoável esperar que possa dar".
Segundo dados do Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA), em fevereiro de 2022, altura em que a Rússia invadiu a Ucrânia, a participação de Portugal numa força de elevada prontidão de até sete dias, que poderá ser ativada pela NATO - designada como Very High Readiness Joint Task Force - previa o empenhamento de até 1049 militares.
Tendo em conta as necessidades estabelecidas pela Aliança no quadro da defesa futura, também Portugal deverá aumentar o seu contributo, porém, e vincando que o país estará à altura do que lhe for pedido, o também professor da Universidade Católica destaca que "não se pode achar que o contributo humano de cada estado se vai automaticamente multiplicar por sete para chegar ao valor da NATO".
"Será um processo longo"
Azeredo Lopes destaca que "ainda não é possível estimar qual será a composição das forças portuguesas que serão direcionadas para o flanco leste da Europa", mas de uma coisa tem a certeza: "os EUA irão tomar a iniciativa de colocar uma força muito robusta na Europa".
Relativamente ao apoio português na gestão dos meios para a NATO, que conta com um navio, 162 viaturas táticas e sete aeronaves, Azeredo Lopes garante que o país também irá dar o contributo possível, o que está a ser agilizado através "da aprovação da nova Lei de Programação Militar".
O ex-governante destaca ainda o aumento no orçamento da Defesa, mas frisa que "a recomposição das forças da NATO será um processo longo", sustentando que não é "apenas a aumentar os recursos militares que se vai garantir a paz". Porém, observa que os passos antecipados por Jens Stoltenberg, secretário-geral da organização, têm como finalidade "transmitir ao Kremlin que a partir de agora o Ocidente nunca mais vai acreditar que a Rússia não é uma ameaça".
Ontem, o secretário-geral da NATO anunciou que a Turquia levantou o seu veto à adesão da Finlândia e da Suécia à Aliança Atlântica, após a assinatura de um memorando trilateral que "responde às preocupações" de Ancara.
G7 reforça sanções
O grupo dos sete países mais industrializados (G7) reforçou a condenação da Rússia pela invasão da Ucrânia e as sanções contra Moscovo, numa reunião de três dias que antecedeu a cimeira da NATO em Madrid.
"Após o início da invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro, não há regresso para a Rússia", disse o chanceler alemão, Olaf Scholz, depois de três dias de deliberações com os líderes dos Estados Unidos, Canadá, Japão, Reino Unido, França e Itália, na sua qualidade de anfitrião, uma vez que a Alemanha detém a presidência rotativa do grupo.
Entre as medidas aprovadas em Elmau, o G7 anunciou que quer criar um mecanismo para proibir o transporte de petróleo russo, uma das principais fontes de receita de Moscovo, se a sua venda não respeitar um preço máximo acordado com parceiros internacionais.
"Sobre o petróleo, estamos a considerar várias opções, incluindo a possibilidade de uma proibição total dos serviços que permitam o transporte de petróleo e produtos petrolíferos russos a nível mundial", segundo o comunicado da cimeira, citado pela agência espanhola EFE.
Os líderes do G7 convidaram outros países a juntar-se a esta medida e mandataram os ministros relevantes para continuarem a explorar as possibilidades de desenvolvimento de alternativas às fontes de energia fóssil russas.
"Se pedirem mais [efetivos], será muito difícil"
Tenente-general Formeiro Monteiro, ex-comandante da Logística do Exército
Se a NATO pedir um batalhão para projetar para os países do flanco leste, Portugal não terá capacidade para dar resposta, acredita o tenente-general Formeiro Monteiro, que comandou a Logística do Exército e crê que, dada a falta de efetivos militares, o país apenas poderia enviar unidades ao nível da companhia, com cerca de 150 homens.
Portugal tem um efetivo militar aquém dos cerca de 30 mil autorizados no tempo da troika e, apesar de o Governo afirmar o contrário, militares e associações têm apontado uma sucessiva diminuição de homens nas fileiras. Face a este cenário, o país tem capacidade para dar resposta a um eventual pedido de reforço de meios no flanco leste da NATO, em caso de conflito?
Depende dos efetivos, unidades e capacidades que forem solicitados. Os efetivos das Forças Armadas estão bem abaixo dos mínimos do tempo da troika: o Exército, em termos de praças, não chega a ter cinco mil efetivos, quando em 2012 tinha cerca de 13 mil. As unidades e as missões mantêm-se, mas os números reduziram-se para mais de metade, e obviamente que isto tem de traduzir-se numa diminuição de capacidade e de disponibilidade. Quando perguntam se é possível Portugal acompanhar o esforço da NATO nesta política de aumentar os efetivos para leste, eu julgo que não, a não ser que peçam um número reduzido. As Forças Armadas já estão a fazer um esforço muito grande em termos das missões que cumprem na República Centro-Africana e noutras paragens. Se pedirem mais, obviamente que vai ser muito difícil. Depende dos efetivos que pedirem; podem pedir só oficiais para o estado-maior da força.
E a nível de oficiais não teríamos problemas?
Só para guarnecer estados-maiores, penso que o país pode cumprir. Mas julgo que a NATO não vai pedir oficiais, e sim unidades completas, organizadas, com oficiais sargentos e praças, e equipadas com as respetivas viaturas. Um batalhão anda à volta de 500/600 homens e tem dezenas de viaturas e armamento, e julgo que, se pedirem unidades organizadas em batalhão, o país não tem condições para responder. Se pedirem unidades ao nível do pelotão, que são 20/30 homens, provavelmente conseguiremos. Mas, quando a NATO pede forças aos países, normalmente é ao nível do escalão de batalhão ou de companhia, que tem 150/180 homens mais o respetivo equipamento e armamento. Se forem pedidas capacidades que se reduzam ao escalão de companhia, Portugal poderá ter alguma possibilidade de responder. Se for ao nível de batalhão, julgo que Portugal não tem capacidade de responder de forma séria, ou então tem de acabar com outras missões em que está empenhado neste momento.
Ou seja, para dar resposta a um eventual pedido de reforço de tropas no flanco leste, Portugal corre o risco de ficar sem meios para o cumprimento de missões internas ou até externas?
Exatamente. Se quisermos responder, corremos o risco de ter de desviar recursos das missões externas onde estamos neste momento e/ou diminuir internamente as capacidades de instrução e estacionamento das nossas unidades, que continuam no nosso país e precisam de continuar a trabalhar. Vai ser uma missão muito difícil, a não ser que peçam unidades de escalão muito reduzido, de secção, de sete, oito, nove homens, ou de pelotão, de 20 homens. No máximo, capacidade de companhia.
Quanto a equipamento, estamos preparados para responder a este desafio?
Tenho dúvidas se temos capacidade para ter equipamento e armamento compatível e que esteja em condições de poder constituir as tais unidades. Mas o equipamento a NATO pode emprestar; o pessoal é que não empresta. Não quero ser extremista e dizer que não podemos, mas teremos muitas dificuldades para acompanhar de uma forma séria e coerente este esforço que a NATO está a pedir aos aliados.
Se Portugal não conseguir acompanhar, como fica perante a NATO?
A NATO é uma organização de países que são solidários e aliados, e obviamente que, externamente, em termos de opinião pública, estas coisas não se saberão, a não ser internamente. A NATO não vai dizer que Portugal ou Espanha não cumpriram porque não têm efetivos, mas no seio da NATO, onde já não estamos muito bem vistos pelas faltas flagrantes que temos em relação a tudo isto, ficaremos mais mal vistos ainda.
E a nível interno, isso poderia provocar desmotivação nas Forças Armadas portuguesas?
Pode provocar desconforto e frustração a nível profissional, porque os nossos militares querem respeitar e cumprir as missões a que as alianças em que estão inseridos obrigam. Quando sentem que não há possibilidades de organização e de efetivos para poderem participar de uma forma conveniente em missões que fazem parte do seu desígnio, obviamente que ficarão desmotivados e mais frustrados, porque não têm oportunidade de desenvolver as suas capacidades ao serviço do país e, neste caso, da NATO.
A NATO pediu que os países aliados investissem 2% do PIB em Defesa, meta que Portugal ainda não cumpriu. Ainda vamos a tempo de investir mais nas Forças Armadas, para podermos dar resposta a um pedido de reforço de efetivos?
A aquisição de equipamento e armamento obedece a concursos internacionais que são morosos e complexos juridicamente. Mesmo que, neste momento, Portugal disponibilizasse 2% do seu PIB, de acordo com as intenções da NATO, só daqui a quatro ou cinco anos é que o equipamento e armamento que fosse agora contratualizado estaria disponível para ser utilizado. Porque as coisas demoram tempo; não é carregar num botão e aparecem. Não basta o dinheiro; é preciso vontade política, organização e tempo.
