Combate ao "comportamento predador no ambiente de trabalho" e melhoria de eficiência e transparência nos processos entre as medidas. Tribunal de Nuremberga foi criado há 78 anos.
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Acabado de completar um quarto de século, o Tribunal Penal Internacional (TPI) tem de fazer, até ao final do ano, um conjunto de reformas para melhorar o desempenho e corrigir problemas como processos encerrados sem investigação e até assédio sexual.
As reformas são recomendadas por um painel independente que, em 2020, apresentou um relatório sobre o funcionamento do TPI, o primeiro tribunal internacional permanente, criado pelo Estatuto de Roma.
É o caso de medidas visando “o comportamento predador no ambiente de trabalho, a saber, a intimidação e o assédio, nomeadamente sexual”, ou dos sistemas de nomeação e formação dos juízes.
Mais transparência
São candidaturas “mais políticas do que técnicas”, explica ao JN a jurista Anabela Alves, que trabalhou como assessora no Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia e no TPI.
Apesar de o Estatuto, adotado em 17 de julho de 1998 na Conferência Diplomática e ratificado por 123 países, exigir que os candidatos possuam reconhecida competência em Direito Penal e Direito Processual Penal, como juízes, procuradores, advogados “ou outra função semelhante”, muitos juízes não o são de carreira. “Podem ser diplomatas ou professores”, diz a perita. “Eu própria redigi sentenças que foram assinadas por juízes”.
O relatório defende mais transparência na nomeação, a prevenção de conflitos de interesses, a formação inicial e contínua de juízes e mecanismos de celeridade processual e de transparência das decisões.
A jurista recorda o caso de um procurador que abriu e encerrou um processo contra os Estados Unidos por crimes de guerra no Afeganistão, que não chegou a ser investigado, por pressão de Washington, que pretende subtrair as suas forças à jurisdição do TPI.
No caso de crimes na Ucrânia, está em curso rápido uma investigação conjunta, mas há quem pergunte porque não se investigam também atos no Irão, no Iraque, ou na Palestina, reflete.
Entre os aspetos a melhorar, salienta a “violência sexual pandémica”, isto é, em contexto de guerra, de forma sistemática e generalizada, que os procuradores no TPI não valorizam adequadamente. “Das testemunhas, menos de 10%, ou mesmo menos de 3%, são mulheres, o que significa que as vítimas são excluídas”, conta.
O TPI, que teve como precursor o Tribunal Militar Internacional de Nuremberga, criado em 8 de agosto de 1945 - passaram esta semana 78 anos -, para julgar os criminosos nazis da II Guerra Mundial, mas esteve em gestação nas Nações Unidas desde o início da década de 1950, julga crimes de genocídio, contra a Humanidade (homicídio, escravidão, violência sexual, desaparecimento forçado, por exemplo), de guerra e de agressão.
Num balanço sobre o seu funcionamento, Anabela Alves salienta que o TPI “é um complemento dos sistemas nacionais de justiça, sempre que os estados envolvidos não fazem investigação ou não julgam por eles próprios os casos, ou não fazem esforços genuínos, ou não têm condições, para identificar e levar à justiça os criminosos”.
Sete anos depois
Em funcionamento desde 1 de julho de 2002, o TPI iniciou o primeiro julgamento em 26 de janeiro de 2009. “Houve muito trabalho preparatório a fazer”, explica: instalação, elaboração e aprovação de regulamentos e códigos, acordos de cooperação, etc.
O tribunal soma 31 casos, com quatro condenações (oito pessoas), nove encerrados, três decididos com absolvição, havendo sete com detidos a aguardar julgamento e nove com suspeitos em fuga.
É pouco, reconhece a especialista. Além dos problemas de funcionamento, há uma “falha muito grande” dos estados em “honrarem as responsabilidades de cooperação, o que explica que haja tantos suspeitos em fuga”, “falta treino de juízes” na produção de prova.
E não existem em muitos países unidades especiais para crimes de guerra e contra a Humanidade, ao contrário do que acontece em França, Suíça e na Alemanha, onde os casos correm sem necessidade de recorrer ao TPI.