No fio da navalha: Alemanha escolhe hoje o homem que vai substituir Angela Merkel
Vantagem dos social-democratas do SPD desce para 1% sobre conservadores da CDU. O futuro governo será sempre em coligação.
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Continuar com o "grande centrão" - mas inverter a liderança dos democratas-cristãos da CDU para os social-democratas do SPD -, virar à Esquerda e integrar os Verdes e os liberais do FDP na coligação ou guinar ainda mais e incluir no Governo os "meias vermelhas" comunistas do Die Linke, o que será muito improvável. As eleições parlamentares na Alemanha estão cheias de incógnitas, mas a incerteza termina hoje com a ida de 60 milhões de eleitores às urnas.
Uma coisa, ou duas, são absolutamente certas: o futuro chanceler que vai mandar no Bundestag, o Parlamento alemão de 709 assentos, estará sempre alicerçado numa coligação pós-eleitoral - nenhum partido conseguirá maioria para governar só. E essa coligação, para a qual há cinco hipóteses combinatórias (ver gráfico), nunca incluirá a extrema-direita da Afd, o partido xenófobo da Alternativa para a Alemanha.
Com as sondagens a apertarem progressivamente a vantagem do SPD, de Olaf Scholz, que há um mês tinha 5 a 7% de avanço sobre a CDU/CSU, de Armin Laschet, e agora tem apenas 1% (sondagem de anteontem do Instituto Allensbach), os alemães confrontam-se com uma missão infactível: eleger um homem que esteja à altura de Angela Merkel, a chanceler que os governou durante quatro mandatos, e 16 anos sucessivos, e agora abandona o posto e a política com uma notável taxa de aceitação na ordem dos 80%.
ganha SPD, derrota de merkel
"A eleição bipolarizou-se entre duas figuras: Olaf Scholz e Armin Laschet", comenta ao JN José Palmeira, professor auxiliar da Universidade do Minho e especialista em Ciência Política. Um dos dois será o futuro chanceler. "Os alemães estão a valorizar o perfil moderado, credível e pragmático do social-democrata Scholz, que tem experiência governativa nas Finanças e é vice de Merkel na chancelaria, em detrimento de um candidato menos experiente e mais imprevisível como Laschet. Curiosamente, ou talvez não, Scholz apresenta-se mais como sucessor natural de Merkel do que o democrata-cristão que ela apoia", diz o especialista. E vinca o paradoxo: "A eventual vitória do SPD não deixaria de ser uma derrota amarga de Merkel, cujo delfim no partido não se mostraria capaz de pegar no seu legado, perdendo-o para um adversário que é o n.º 2 no seu Governo de bloco central".
a importância de ser verde
Entre aqueles dois homens emergirá, muito provavelmente, outra mulher: Annalena Baerbock, dirigente dos Verdes, partido que, na Alemanha, tem mais potência política do que os seus congéneres europeus, e que soma agora 16% nas sondagens - e pode duplicar a votação da última eleição, em 2017, quando teve 8,9%. A histórica saída de Merkel pode, assim, originar outro facto também histórico: o regresso dos Verdes ao poder, por coligação, como sucedeu de 1998 a 2005, quando se aliaram ao SPD de Gerhard Schröder.
"Social-democratas e Verdes já manifestaram abertura a um entendimento pós-eleitoral", relembra o especialista José Palmeira. "Não sendo espectável a reedição do bloco central [CDU + SPD], restará o recurso ou aos Liberais do FDP ou ao Die Linke, da Esquerda radical - mas, estes são um parceiro a evitar pelos moderados", diz.
Em caso de vitória dos democratas-cristãos, o FDP será um aliado natural, tal como aconteceu com a dupla Kohl-Genscher, aquando a reunificação alemã, a que se juntariam ainda os Verdes. Com tão apertada corrida e tantas incógnitas, o futuro chanceler não será, isso é seguro, conhecido já hoje - as negociações para a coligação de Governo podem estender-se por semanas ou até meses.
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Olaf Scholz quer boa relação com Portugal
Olaf Scholz, líder do SPD diz que, caso seja eleito, deseja manter uma relação boa com o sul da Europa, nomeadamente com Portugal. "Obviamente vamos ter uma boa cooperação com os primeiros-ministros de Portugal e Espanha. São bons amigos meus. Vou também trabalhar com a Itália. É o que eu vou fazer", disse.
Merkel insiste no voto em Laschet
"Isto é sobre o seu futuro, o futuro dos seus filhos e o futuro dos seus pais." Angela Merkel insistiu ontem, último dia da campanha, no voto em Armin Laschet e na CDU. "É só a cada quatro anos que vocês têm a oportunidade de decidir quem deve moldar o vosso futuro."