A única ilustração da primeira página do JN de 23 de agosto de 1905 é um desenho mostrando um homem dependurado do cimo de torre de traves de madeira, apontando, desolado, os destroços de umas asas e de uma cesta. O título - "O homem voador" - é enganador: o malogrado piloto não chegou a voar. Segundo a notícia, um engenheiro inglês, cuja identidade o texto poupa, "inventou e fabricou uma máquina de voar e há dias experimentou-a sobre o lago do Wembley Park, em Londres". Para o efeito, "à borda do dito lago foi levantado um alto palanque, de onde o aludido engenheiro se precipitaria munido do seu invento. Ao lançar-se, porém, no espaço, em vez de o manter no ar, precipitou-se com ele no lago, de onde depois o aparelho teve que ser retirado".
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A utopia de voar que o desastrado engenheiro perseguia atravessou muitos séculos, desde o mito helénico antigo de Ícaro que, escapando do Labirinto do Minotauro onde estava cativo, munido de umas asas que construíra, veio contudo a precipitar-se dos altos céus, com a cera que unia os materiais derretida pelo Sol.
Arquitas de Tareto (400 a. C.), filósofo, matemático e astrónomo grego, teria tentado construir uma máquina voadora, ou pelo menos uma pomba de madeira capaz de voar. Mais longe em imaginação foi o pintor e cientista Leonardo da Vinci (século XVI), desenhando a primeira máquina tripulada conhecida.
A 8 de agosto de 1709, ante o pasmo da corte de D. João V e do corpo diplomático em Lisboa e a surpresa, todavia vigilante, da Inquisição, Frei Bartolomeu de Gusmão fez levantar a quatro metros de altura um pequeno balão de ar quente, protótipo demonstrativo da que pretendia viesse a ser a sua Passarola Voadora.
Foram inúmeras as investidas e também os avanços, como os do francês Jean-Marie Le Bris, que assevera ter levantado voo com a sua "barca alada" em 1856, do norte-americano John Joseph Montgomery, que voou num planador em 1883, e dos irmãos norte-americanos Wilbur e Orville Wright que, em 1903, fizeram o primeiro voo, já com um motor de 15-16 cavalos de potência, mas catapultado por um engenho auxiliar.
Em dois anos os irmãos Wright aperfeiçoaram tanto o seu avião que, a 23 de junho de 1905, em Huffman Prairie, no estado do Ohio, menos de dois meses antes do desaire do engenheiro em Wembley Park de Londres, faziam descolar sem ajuda o "Flyer III", agora com um motor de 20-22 cavalos e, pela primeira vez, com controlo de leme vertical, precisa a "Encyclopedia Britannica".