Reis, rainhas, príncipes, imperadores e chefes de Estado plebeus nas exéquias da monarca que deixa o trono numa encruzilhada histórica.
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Trombetas, salvas, morteiros e bandeiras içadas. Todos os sinais de poder e luta, expressão da iconografia monárquica e da liturgia anglicana. As exéquias de Isabel II encerraram com toda a pompa e não menos circunstância diplomática, num protocolo milimétrico, que envolveu mais de uma centena de chefes de Estado, incluindo Marcelo Rebelo de Sousa. Ou como o funeral da mais longeva rainha do Reino Unido foi também um evento de relações internacionais, como destacou a imprensa britânica, a avaliar presenças, ausências e conceitos de "real politik". Francisco, chefe do reino do Vaticano, delegou o convite num arcebispo britânico.
A "Operação London Brigde", desencadeada logo após o anúncio da morte de Isabel II, no último dia 8, ainda decorrerá até amanhã, até ao fim do luto nacional, mas foi já ontem, que se procedeu à cerimónia mais marcante dos 13 dias de recolhimento nacional. Após 11 dias de todas as homenagens de rua, prestadas por milhões de cidadãos anónimos, Isabel foi sepultada na mais absoluta reserva familiar. A monarca falecida aos 96 anos, após um reinado de sete décadas, foi inumada na Capela Memorial Jorge VI, no Castelo de Windsor, juntamente com os pais, a irmã Margarida e o marido Filipe, que morreu em abril do ano passado.
A solenidade foi igualmente verificada nos contactos discretos entre as delegações de Estado. Nem isso, em certos casos. Joe Biden, por exemplo, não chegou a encontrar-se com Liz Truss, como estava previsto, e o encontro entre o presidente americano e a primeira-ministra britânica foi adiado para amanhã, em Nova Iorque, à margem da cimeira da ONU. "The Guardian" diz que a "relação especial" entre os velhos aliados transatlânticos foi deteriorada pelos desentendimentos sobre o protocolo da Irlanda do Norte, relacionado com as tarifas aduaneiras do pós-Brexit. Por causa do mesmo assunto, todos os precedentes encontros entre Biden e Truss foram tensos, conta o jornal.
China presente
Entre os altos dignatários internacionais notaram-se, desde logo, duas ausências anunciadas: retido pela guerra na Ucrânia, Volodimyr Zelensky fez-se representar pela primeira-dama, Olena Zelenska; e o presidente russo, Vladimir Putin, não foi sequer convidado, na sequência das restrições causadas pelo ataque militar à Ucrânia.
O convite dirigido à China originou debates acesos no parlamento, por causa das denunciadas derivas anti-democráticas do regime de Pequim, também julgado opressivo das minorias islâmicas uigures. O Império do Meio fez-se representar pelo vice-presidente Wang Qishan. Anteontem, nove representantes chineses tinham sido impedidos de participar no velório da rainha, em Westminster Hall, em represália à decisão de Pequim considerar "personae non gratae" nove diplomatas britânicos que tinham denunciado a violação de Direitos Humanos na China.
Dissidências
As exéquias de Isabel II foram também a oportunidade para juntar os mais altos dirigentes dos 56 estados da Commonwealth, que agrupa antigas colónias britânicas e 14 reinos. As pretensões republicanas agitam alguns destes territórios, mas todos estiveram presentes.
Por outro lado, chegaram gestos simbólicos: o do primeiro-ministro da Republica da Irlanda, Micheal Martin, que esteve no funeral para prestar homenagem à monarca que contribuiu para acalmar as relações com Dublin, após décadas de tensões; e o da primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, que, depois do chumbo de setembro de 2014, milita pela organização de um novo referendo pela independência.
Caberá agora a Carlos III lidar com todas estas dissidências, que também afetam as monarquias europeias. O rei dos Países Baixos, Willem -Alexander, a rainha Maxima e a princesa Beatrix, o rei Filipe dos belgas, o rei Harald V, da Noruega, o príncipe Albert II, do Mónaco, o rei Filipe VI, de Espanha, e a rainha Margarida, da Dinamarca, também estiveram no funeral de Isabel II. O imperador Naruhito e a imperatriz Masako, do Japão, também marcaram presença: foi a primeira viagem ao estrangeiro, desde a ascensão do casal ao trono, em 2019.
Francisco delega
Entre os reis e rainhas europeus que foram ao funeral de Isabel II faltou um, o do Vaticano. O papa Francisco, soberano pontífice do reino, fez-se representar pelo arcebispo britânico Paul Gallagher. Outros ausentes, mas por não terem recebido convite: a Síria e o Afeganistão, que estão em guerra e cujos presidentes não são reconhecidos pela comunidade internacional; a Venezuela, que está de relações cortadas com Londres há vários anos ; e Myanmar, país dominado por um regime saído do golpe de estado de 2021 e que também não é reconhecido pelo Governo britânico.
Putin: "Uma blasfémia"
O presidente da Rússia já tinha dito que mesmo que fosse convidado pelo Governo britânico não ia ao funeral da rainha Isabel II, por causa da guerra em curso. Isolado pelos aliados da Ucrânia - que mandou invadir em fevereiro último e que mantém ocupada, quase sete meses após a ordem de ataque - e atingido pelas restrições impostas pelo Reino Unido e pela União Europeia, Vladimir Putin não tinha como obter visto de entrada em Inglaterra. Ainda assim, o chefe do Kremlin considerou "uma blasfémia" e uma "punição imoral" não ter sido formalmente convidado para o funeral.