Português dos Médicos Sem Fronteiras contou ao JN, desde o Burundi, como foi passar a época festiva em missão humanitária.
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Dos 38 natais que viveu, dois foram passados longe de casa a fazer o que mais sentido lhe dá à vida: ajudar quem mais precisa da forma que melhor sabe. Gustavo Carona, de Matosinhos, é médico anestesista e intensivista de profissão, mas foi na medicina humanitária que encontrou o sentido para o que aprendeu na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
Este ano, foi no Burundi, "com calor e ao ar livre", que ouviu as felicitações natalícias de quem também celebra a quadra, mas a língua em que o desejo foi partilhado não é a sua. "Passar o Natal em África, no Burundi, numa missão humanitária tem um sabor algo agridoce. É triste estar longe das pessoas de quem eu tanto gosto, é triste sentir que a minha presença [aqui] estará certamente a causar algum saudosismo nas pessoas que me são mais queridas, e não ouvir um "bom Natal" em direto, ao vivo e a cores, ouvi-lo apenas noutras línguas, deixa-nos sentir um bocadinho longe daquilo que é mais importante", confessou ao JN.
A alma dos cânticos
A falta dos abraços da família e amigos, que uma chamada ou ligação à Internet não substituem, Gustavo combate-a com a consciência de que está "onde é tão preciso".
As carências de cuidados se saúde são inimagináveis
"Aqui no Burundi, as carências de cuidados se saúde são inimagináveis, e sentirmo-nos próximos de pessoas que precisam da nossa ajuda tem algo de especial." E "os cânticos de Natal africanos têm outra alma". Diz, rematando com um sorriso, que a sua mãe estranharia se ouvisse o filho contar que tinha ido à missa ontem de manhã, mas admite que não resiste à "espiritualidade coletiva de ouvir as pessoas a cantar". "É muito bonita, muito genuína e muito diferente daquilo a que estamos habituados".
Num país de maioria católica, onde o Pai Natal também chega quando pode, a tradição do velhinho - que, no dia 24, foi um médico dos Médicos Sem Fronteiras - recolhe sorrisos entre as crianças do hospital, "muitas delas traumatizadas, outras queimadas".
"As palmas, a dança, a música saem com uma naturalidade tal que nos fazem ficar com uma lágrima no canto do olho, pele arrepiada e algum sentido de propósito maior", conta o médico. E é nesse momento, em que fica de "coração cheio", que sente estar no "sítio certo" e que os quilómetros que o separam de casa lhe parecem mais curtos, embora no resto do tempo a saudade prevaleça.
À 10.ª missão humanitária enquanto médico, depois de ter passado por países de "contextos complicados", cenários de guerra "tão terríveis" como a Síria, a convicção do início é a mesma.
É triste mas especial
"Continuarei a acreditar naquilo que me faz mais sentido. Perdi um Natal com os meus, mas construí, ou continuo a construir, algo que para mim é tão importante como acreditar na medicina humanitária, acreditar que todos nós podemos fazer qualquer coisinha para melhorar o Mundo."
Passar o Natal no calor, no meio de África, "foi triste mas especial". E, se voltasse atrás, escolheria de novo sentir-se assim.
Lançou livro
"O Mundo precisa de saber"
República Democrática do Congo, Paquistão, Afeganistão, Síria, são cenários de guerra onde a vida e a morte andam de mãos dadas, onde, por detrás das guerras e dos interesses escondidos, há pessoas inocentes. E são os ingredientes do livro feito de sangue, suor e lágrimas em que o médico Gustavo Carona compila as suas missões.