O dia 17 de março surge na Coreia do Norte como a data do anúncio da construção de um novo hospital. É precisamente com esta informação que especialistas franzem o sobrolho, quando o regime mais totalitário do mundo jura de pés juntos que tem zero casos de Covid-19.
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O que realmente interessa a Kim Jong-un, líder supremo da Coreia do Norte, numa altura em que o mundo enfrenta a pandemia de Covid-19 é fazer testes de mísseis. A economia norte-coreana é frágil e há relatos de peritos que dão conta da fragilidade do sistema de saúde. A única medida tomada pelo regime fechado de Kim foi encerrar fronteiras, nomeadamente com a China - o que tornará ainda mais débil a economia da Coreia do Norte.
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A agência de notícias estatal norte-coreana (KCNA) avança que a construção do novo Hospital Geral de Pyongyang tem abertura prevista para outubro de 2020 "para servir a saúde e bem-estar do melhor povo do mundo".
Investigadores especialistas na Coreia do Norte duvidam da veracidade dos dados oficiais, que não registam um único caso do novo coronavírus. Diz quem entende do assunto que o anúncio da construção de um novo hospital não surge por acaso: é sinal que Kim Jong-un está preocupado com a pandemia e quer acalmar a população.
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"Não acredito na Coreia do Norte quando diz que não tem casos, porque o regime nunca confirmou nenhum surto de nenhuma doença contagiosa desde que foi criado, em 1948", apontou, em declarações ao "Observador", Nam Sung-wook, diretor do Centro da Coreia do Norte na Universidade da Coreia [do Sul] e ex-membro dos serviços de informação sul-coreanos. "É uma característica de um país socialista que não consegue lidar abertamente com tragédias como desastres naturais, acidentes ou doenças contagiosas. A verdade tem, inevitavelmente, um impacto negativo na liderança de Kim Jong-un."
Jean Lee, ex-correspondente da Associated Press em Pyongyang e agora investigadora no Wilson Center, concorda que é "difícil de acreditar" que a Coreia do Norte não tenha casos, "tendo em conta a longa fronteira que partilha com a China [1450 quilómetros de comprimento] e os voos regulares que ocorriam entre Pyongyang e cidades chinesas, antes de serem cancelados".
A Coreia do Norte está longe de ser hermeticamente selada, como gostaria. O que não faltam são traficantes que passam de um lado para o outro e trazem consigo bens, mercadorias e até telemóveis, roupas ou filmes. Perante o cenário destes, e tendo em conta que a China foi o primeiro país onde se registaram casos do novo coronavírus, a probabilidade de que algum caso se tenha registado na Coreia do Norte parece, por isso, elevada.
Medidas tomadas pelo regime de Kim Jong-un desde fevereiro
Na Coreia do Norte vai-se afinando a propaganda. Ao longo do mês de fevereiro, foram-se multiplicando as fotografias oficiais do líder norte-coreano a assistir a exercícios militares. À sua volta, vários soldados tinham máscaras negras a taparem-lhes as bocas, sinal de que as preocupações em evitar a propagação do novo coronavírus se mantinham. Mas Kim, ora sorridente, ora atento, não trazia nenhuma. A lógica por trás disso? "O Grande Líder" não é um homem comum, portanto nunca será sequer afetado pelo vírus.
As autoridades norte-coreanas têm levado muito a sério a ameaça do vírus, apesar de manterem a estatística nos zero casos confirmados O regime da corei do Norte tomou de imediato medidas. Em janeiro, o país fechou de imediato as suas fronteiras com a China e com a Rússia. Colocou todos os estrangeiros no país de quarentena e, depois, enviou-os num voo para Vladivostok, na Rússia. Para além destas medidas, obrigou o uso de máscara da população, proibiu ajuntamentos, encerrou escolas, locais públicos de distração, obrigou a que crianças e idosos ficassem em casa, e mesmo as viagens dentro do país ficaram limitadas. E, claro, as fronteiras estão ainda mais seladas.
O único que aparece sem máscara, sorridente, é mesmo o "Grande Líder", a querer passar a mensagem que nem um vírus o demove.