A viver na Noruega há 15 anos, com a mulher e dois filhos, Nuno Marques, 38 anos, tornou-se uma figura pública na cidade de Notodden, onde foi o guarda-redes estrangeiro com mais jogos pelo clube local. Consultor e docente universitário, é o único português a encabeçar uma lista partidária, conotada com a Esquerda. Sem experiência política, responsabiliza os partidos mais tradicionais pelo ressurgimento da extrema-direita. As eleições decorrem hoje.
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Qual é a sua ligação à política?
Não tinha, mas o meu pai foi político local muitos anos, em Tomar.
Mas era um assunto pelo qual tinha interesse?
Sim, mas mais na área internacional. Tanto que segui esse caminho a nível académico e estou a tirar um doutoramento em Direito Internacional. Na disciplina de Política Internacional convidava políticos a darem aulas aos alunos estrangeiros. Aqui, não existe distância entre as pessoas e os políticos. Há outro ambiente, outra cultura.
Foi assim que surgiu o convite para integrar a lista do Partido do Centro (PC)?
Sim. Convidei uma deputada, que representa o distrito onde vivo, a dar uma aula. Conversámos um pouco e, passados uns meses, perguntou-me se queria fazer parte da lista do PC nas eleições locais. Li o programa, identifiquei-me e aceitei. No dia seguinte, a cabeça de lista desistiu. Tive uma reunião com um comité que escolhia as pessoas para os lugares e, passados uns dias, disseram-me que tinha sido nomeado cabeça de lista.
Como reagiu?
Nunca me passou pela cabeça, porque nunca estive envolvido na política e era estrangeiro. Foi um bocado surrealista, mas ao mesmo tempo senti que era um voto de confiança num emigrante. As pessoas têm boa imagem de mim.
Não ter experiência é desvantagem?
Hoje, vejo como uma vantagem, porque não tenho historial, venho de outro ambiente e tenho um discurso diferente dos políticos. O feedback tem sido muito bom. Estou motivado e tenho aprendido muito.
Costumava votar no PC?
Não. Mas este partido tem sofrido alterações nos últimos anos. Os resultados das eleições vão ser completamente diferentes dos de há quatro anos. Os dois maiores partidos têm perdido muitos votos para os partidos pequenos. Na cidade onde vivo, existem 12 mil pessoas e há dez candidatos. São poucos os partidos que têm maioria absoluta. O normal é haver, pelo menos, três partidos a governar um município.
Acredita que vai ser eleito?
Quando os eleitores votam, escolhem os candidatos que querem eleger. A minha lista tem 41 pessoas, mas depois há um espaço no boletim de voto para dez candidatos de outras listas. O meu partido é o terceiro maior nacional e local. O Partido dos Trabalhadores tem sempre, no mínimo, 30% dos votos. Depois, o Partido de Direita tem entre 20 e 25%. O PC teve 10%, mas, nas últimas sondagens, andava nos 15 a 16%. Geralmente, o terceiro partido é que decide quem governa. Devemos conseguir eleger sete representantes. Como sou novo na política, todos querem colaborar comigo. Chamam-me jóquer, porque sou eu que vou decidir se vamos para o lado da Esquerda ou da Direita. Vai depender da posição que darão aos candidatos da nossa lista.
Quais as principais propostas do seu partido?
Manter a estrutura do ensino básico e secundário, o hospital, a esquadra da Polícia e a universidade. Com o Governo de Direita, tem havido uma política de centralização. Os municípios mais pequenos têm perdido estes serviços estatais.
Como analisa o crescimento dos partidos de extrema-direita?
É preocupante. Não é de admirar, porque há falta de confiança nos políticos. Temos o exemplo de Inglaterra, com o Brexit. As pessoas têm tanta informação nas redes sociais que não sabem distinguir o que é verdadeiro do que é falso. Temos ainda o exemplo da eleição de Donald Trump, com o envolvimento da Rússia. O seu discurso muito simples atrai as pessoas que se sentem ameaçadas. Os partidos mais tradicionais têm tido muita culpa por a extrema-direita ter surgido novamente.
Em outubro, há eleições em Portugal e as sondagens apontam para uma vitória socialista. A geringonça foi uma boa solução governativa, ou preferia que o PS ganhasse com maioria?
O Governo norueguês é formado por quatro partidos, mas todos têm lugar no executivo. Não é como a geringonça em Portugal, em que só o PS tem ministérios. Se em Portugal também é uma aliança, seria justo que o PCP e o Bloco de Esquerda tivessem pastas. Um governo com maioria não é bom para a democracia. Habitualmente, governa de forma arrogante.