Fundador da Amazon surpreende o Mundo e abandona chefia executiva do gigante eletrónico. Patrão de quase um milhão de empregados, diz que se vai dedicar inteiramente às suas "outras paixões", que incluem a Lua.
Corpo do artigo
Jeff Bezos, 57 anos feitos em janeiro, foi o primeiro centibilionário a figurar no índice de riqueza da revista Forbes, registado em 2013 - centibilionário é alguém com um património líquido de pelo menos 100 mil milhões de unidades de uma determinada moeda, geralmente as moedas mais fortes, como o dólar norte-americano, a libra esterlina da Grã-Bretanha ou o euro da Europa unida.
Depois, em julho de 2018, foi eleito o "homem mais rico da história moderna", quando o seu património puro aumentou para 150 biliões. Em agosto de 2020, ainda segundo a mesma revista referencial de economia e finança, tornou-se a primeira pessoa na história a superar um património líquido superior a 200 biliões de dólares. Em janeiro de 2021, Bezos era considerado a segunda pessoa mais rica do mundo, logo abaixo de Elon Musk, o meteórico criador dos carros elétricos de alto desempenho Tesla e da SpaceX, agência aeroespacial que quer ocupar Marte já em 2024, e que tem apenas 49 anos.
Dedicar-se a atividades "radicais"
Na terça-feira desta semana, Bezos voltou a saltear o Mundo e anunciou que deixará de ser o CEO (Chief Executive Officer, isto é, diretor executivo) da empresa gigante de comércio eletrónico Amazon, sendo substituído por Andy Jassy, que passou os últimos 20 anos a ser a sua sombra, absorvendo todos os seus ensinamentos, havendo quem lhe chamasse o "cérebro duplo" do CEO. Bezos escolheu passar a atuar "apenas" como presidente do conselho empresarial da Amazon, um cargo de vigilância não executiva.
É um passo, diz Bezos, que lhe dará mais tempo para se concentrar em todas as suas "outras paixões" que não sejam continuar a acumular doses megascópicas de dinheiro.
Essas paixões incluem atividades tão radicais como a fundação The Day One Fund, dedicada à escolaridade dos pobres. Bezos quer abrir escolas pré-primárias com bolsa integral, seguindo o modelo revolucionário fundado pela lendária Maria Montessori, educadora e pedagoga que foi a primeira mulher italiana a formar-se em medicina, em 1870, provocando escândalo. Bezos quer dar apoio direto a comunidades carentes e financiar organizações sem fins lucrativos que apoiam famílias de sem-abrigo.
O milionário quer também participar no trabalho direto da Bezos Earth Fund, diligente instituição de beneficência aplicada ao clima e que criou no ano passado sob um tapete titânico de 10 mil milhões de dólares. Quer combater as alterações climáticas emitindo subsídios para "cientistas, ativistas, Organizações Não Governamentais, apostando num esforço que ofereça uma possibilidade real de ajudar a preservar e proteger o mundo natural", disse Bezos.
Entre as suas novas atividades inexoráveis, Jeff Bezos quer ainda dedicar mais tempo ao "The Washington Post" - o bom jornalismo é hoje considerado, na era da pós-verdade, como uma atividade de ética radical -, jornal que comprou em 2013 e que em três anos duplicou o seu tráfego na internet, incluindo o trânsito publicitário, e se tornou autossustentável.
Para o espaço e mais além
Mas Bezos quer entregar-se também a outros radicalismos como o da Blue Origin, a sua empresa privada de voos espaciais que está a desenvolver foguetes para turismo comercial astral e que, insinuou, poderiam ajudar a NASA, a mítica agência aeronáutica federal dos EUA, a levar humanos em passeios domésticos à lua.
A fascinante Blue Origin concentra as suas operações no New Glenn, um foguete de nova geração, competitivo com o Falcon Heavy da SpaceX, bem como com o Delta IV, da United Launch Alliance e o foguete Vulcan. Segundo Bezos, o New Glenn vai reduzir imensamente os custos das viagens - pelo menos 25 vezes menos - por usar gás natural líquido como combustível, como já faz o seu New Shepard, um foguete VTLV, ou seja, capaz de descolar e aterrar sempre na vertical, que a empresa está a desenvolver para excursionismo suborbital.
Como Musk, Bezos fala sobre a importância estratégica do espaço como um plano alternativo de fuga e sobrevivência para a HUmanidade se, e/ou quando, a Terra se tornar inabitável. Mas a Blue Origin, apontam os analistas, ainda carece do ímpeto e da cultura de execução implacável que Bezos impregnou em toda a Amazon.
"Vou continuar envolvido em iniciativas importantes na Amazon, mas também terei o tempo e a energia de que preciso para me concentrar nas minhas outras paixões", disse Bezos numa carta distribuída aos seus quase um milhão de empregados (só a Amazon tem 798 mil funcionários, incluindo os que operam a tempo parcial). "Nunca tive mais energia do que agora, e não se trata de me dedicar à reforma", disse o empresário relembrando a sua idade. "Estou muito entusiasmado com o impacto que acho que essas organizações podem ter".
Tudo começou numa viagem de 4589 quilómetros...
Fundador da Amazon, que começou por ser uma livraria online em 5 de julho de 1994 e é hoje uma das maiores empresas do mundo, Jeff Bezos nasceu em Albuquerque e foi criado em Houston e depois em Miami, nos EUA.
Formou-se em 1986 na Princeton University, uma das oito prestigiosas universidades da Ivy League, em engenharia elétrica e ciências de computação. Trabalhou em Wall Street numa variedade de funções, incluindo distribuir o correio interno, de 1986 ao início de 1994. E depois fundou a Amazon no verão desse ano, decisão que tomou numa viagem de carro quando atravessava os EUA de costa a costa, a conduzir sozinho de Nova Iorque a Seattle, ao longo de uns perduráveis 4589 quilómetros em que fazia paragens regulares para detalhar o seu primeiro plano de negócios.
A empresa começou como uma livraria online e desde então expandiu-se para uma complexa variedade de outros produtos e serviços de e-commerce, incluindo computação em nuvem (cloud), inteligência artificial, serviço de streaming áudio e vídeo, entregas postais e muito mais. Atualmente, é a maior empresa de vendas online do mundo, a maior empresa de internet em receitas e a maior provedora mundial de assistentes virtuais e serviços de infraestruturas de armazenamento virtual, através da sua filial Amazon Web Services.
... que desembocou no fundo de uma garagem
Antes de se estabelecer em Seattle - a Amazon nasceu literalmente no fundo de uma garagem na cidade do grunge, onde alojou os seus modestos primeiros servidores - Bezos estava a arquitetar a abertura da empresa numa reserva indígena perto de São Francisco. Por romantismo? Não: para evitar o pagamento de impostos.
Inicialmente, chamou à nova empresa Cadabra, palavra que designa um sistema de álgebra computacional na teoria quântica, mas depois mudou o nome para Amazon em homenagem ao ofídio Rio Amazonas, da América do Sul, também porque o nome começa com a letra A, a primeira do alfabeto, gesto importantíssimo para ser a primeira a ser encontrada na infindável floresta online. Na altura, aceitou um empréstimo de 300 mil dólares (250 mil euros) dos seus pais e investiu tudo na Amazon, alertando os primeiros investidores de que havia 70% de hipóteses de a Amazon falhar o plano de negócio ou mesmo de ir à falência - agora, a empresa regista lucros de 7,41 dólares por ação sobre vendas de 92,78 mil milhões.
No total, a Amazon já arrecadou mais lucro nos primeiros nove meses de 2020 do que em todo o ano de 2019, quando teve um provento recorde de 11,59 mil milhões e tem agora um valor de mercado estimado em 1,7 biliões de dólares.