André Barrinha, Especialista em Relações Internacionais na Universidade de Bath, acredita que o Brexit não conseguirá ser totalmente efetivo no final deste ano.
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O acordo de divórcio entre o Reino Unido e a União Europeia é pouco convincente e os pró-europeus deverão ressurgir com a redistribuição das lideranças na oposição britânica. O Brexit é depois de amanhã, o futuro é tudo menos certo, mas os britânicos estão tranquilos. Aliás, sempre estiveram, conta-nos André Barrinha, português dedicado a Relações Internacionais no Departamento de Políticas, Línguas e Estudos Internacionais na Universidade de Bath, em Inglaterra.
O Brexit acontece nesta semana. O futuro ainda é uma incógnita?
Oficialmente, acontece nesta semana, se bem que, na prática, o processo esteja longe de terminado. Supostamente, o período de transição termina no final deste ano e o atual Governo rejeita a possibilidade de o alargar por mais uns meses. Contudo, é virtualmente impossível entrarmos em 2021 com um acordo que inclua todas as áreas de relacionamento futuro entre as duas partes. Neste momento, julgo que o máximo que se pode esperar é que até final do ano - que nunca é final do ano, pois os formalismos envolvidos no processo ditam que as negociações tenham de estar concluídas meses antes - exista algum tipo de acordo em termos de comércio (e, talvez, serviços). Isto assumindo que as negociações correm de forma positiva, sem grandes percalços. Por isso, respondendo diretamente à questão: sim, o futuro ainda é uma incógnita.
O que acha que preocupa mais os britânicos?
É difícil responder a essa questão, pois o Reino Unido é hoje um país extremamente dividido. Para muitos, a questão do futuro relacionamento em termos económicos é fundamental. Para outros, o importante é garantir que o Reino Unido não fica sob a alçada ou supervisão de qualquer instituição da União Europeia, custe o que custar.
Sabem exatamente o que vai acontecer? Estão tranquilos?
Em geral, eu diria que sim. Aliás, apesar de toda esta incerteza dos últimos anos, os britânicos continuaram, em larga medida, a fazer a sua vida normal.
E os "remainers" (pró-europeus)? Desistiram de lutar ou foram convencidos pelo acordo de saída conseguido pelo primeiro-ministro, Boris Johnson?
O acordo conseguido por Boris Johnson não é particularmente convincente. Certamente que não o é para os "remainers".
Pouco convincente porquê? No âmago, e à exceção da questão irlandesa, é parecido com o da antecessora, Theresa May...
Nem este nem o acordo de May eram convincentes para os "remainers". Este ainda menos porque, ao contrário da versão anterior, distancia-se da ideia de alinhamento em termos de "standards" e da futura possibilidade de uma pauta aduaneira comum. No fundo, é um acordo que afasta o Reino Unido ainda mais da União Europeia. Voltando aos "remainers", na próxima sexta-feira, o Reino Unido deixa oficialmente de ser membro da União Europeia e terá de se candidatar novamente caso queira regressar. Nesse aspeto, a luta deles está perdida. Agora, vamos ter novos líderes tanto no Liberais Democratas como no Labour. Isso irá afetar substancialmente a forma como os atuais "remainers" vão abordar a nova realidade que é um Reino Unido fora da União Europeia. Veremos qual o rumo que estes dois partidos irão adotar relativamente à relação com Bruxelas e como o movimento pró-europeu se irá enquadrar nesta nova realidade política.
Os movimentos independentistas na Escócia e na Irlanda do Norte podem mesmo fortalecer-se?
Sim, podem. No entanto, muito irá depender do resultado das negociações e dos custos que o Brexit vai ter tanto para a Irlanda do Norte como para a Escócia. Acho que nem num lado nem no outro existe uma maioria clara a favor da independência. No caso da Irlanda do Norte, a alternativa ao Reino Unido seria a reunificação da ilha. Não me parece que haja um grande apetite em Dublin para que tal aconteça, pelo menos por enquanto. Tendo em conta o passado conflituoso e as clivagens identitárias que permanecem na ilha, tal seria uma enorme dor de cabeça para Londres, Dublin e mesmo para a União Europeia. No caso escocês, houve um referendo recente (em 2014) que deu a vitória aos que defendem a manutenção do status quo. Obviamente, a situação era diferente e um dos atrativos de ficar no Reino Unido era justamente continuar a fazer parte da União Europeia. Julgo que só depois de terminado todo este processo do Brexit é que os escoceses estarão na posição de tomar uma decisão sobre o referendo. Caso haja vontade para tal, terão de enfrentar a oposição do atual Governo, de Johnson, que, para já, não parece disposto a aceitar a realização de um novo referendo.
Acha que a situação da fronteira irlandesa ficou salvaguardada? Ou o que se fez foi criar uma barreira alfandegária entre ilhas, que era o argumento usado pelos que se opunham à ideia inicial de "backstop"?
Acho que essa é uma questão que permanece por resolver e que dificilmente terá outra solução que não a criação de um regime para a Irlanda do Norte diferente do restante Reino Unido. Com uma maioria confortável no Parlamento, o Partido Conservador já não necessita do apoio do DUP, o principal opositor à ideia, para implementar um plano que contemple um regime diferente para a Irlanda do Norte. v