Número de mortos palestinianos já é superior a uma centena, com várias crianças e mulheres atingidas nos ataques. O Hamas diz estar preparado para cessar-fogo, mas Israel rejeita tréguas.
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"Foi horroroso, ficamos apavorados pelos nossos filhos, eles gritavam e tremiam muito". Esta é uma mãe, Hedaia Maarouf, que abandonou anteontem a sua casa em Gaza, na Palestina, com toda a família de 19 pessoas, incluindo 13 crianças. Milhares de outros palestinianos fizeram o mesmo - fugiram em terror. Para trás deixavam descrições de um dilúvio de fogo que caiu durante mais de 40 minutos na Faixa de Gaza ao quinto dia de hostilidades.
O correspondente do jornal inglês "The Guardian" relata que decorriam as primeiras horas da madrugada de ontem e enormes chamas vermelhas iluminaram os céus de Gaza, enquanto rajadas ensurdecedoras de tiros enchiam todo o ar nos arredores da cidade. Acordavam toda a gente, os blocos de apartamentos tremiam com as pessoas lá dentro.
Nesse enclave de Gaza onde vivem dois milhões de palestinianos sob o controlo fronteiriço israelita, também ontem Rafat Tanani, a sua mulher grávida e os quatro filhos do casal foram mortos depois de um avião de guerra israelita ter reduzido a escombros e pó preto o edifício onde moravam.
500 tiros de artilharia
As forças terrestres e aéreas de Israel começaram anteontem a atacar com muito mais força diversos alvos em Gaza (ver infografia ao lado). Foram disparados, relata o jornal espanhol "El País", mais de 500 tiros de artilharia e tanques concentrados na fronteira do enclave, juntando-se aos bombardeamentos massivos de 160 aviões de combate com 450 mísseis descarregados contra mais de 150 posições das milícias de Gaza.
É uma escalada muito significativa no conflito Israel-Palestina, que dura há décadas desde 1948, data do estabelecimento da nação israelita. Será o pior ataque desde a guerra de 2014, que é a terceira com o Hamas, movimento islâmico que já se bateu com Israel em 2008 e 2012, após ter tomado o poder em Gaza, quando expulsou a Fatah, partido do presidente Mahmud Abbas que controla a Cisjordânia - aqui morreram ontem 10 palestinianos em confronto com o exército israelita.
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Bombardear os túneis
O fogo de artilharias pesadas, com intenso bombardeamento, foi direcionado, dizem os militares israelitas, para atingir especificamente a grande rede de túneis dos militantes palestinianos do Hamas. Mas muitos civis foram atingidos.
O número de mortos do lado de Gaza chegava ontem à noite a 119, incluindo 31 crianças e 11 mulheres. O número de feridos subiu para 830, mais 200 no espaço de 10 horas, disse o Ministério da Saúde de Gaza.
Há agora mais de 200 casas e pelo menos 25 escolas destruídas ou severamente danificadas em Gaza devido aos ataques aéreos de Israel, que duram há cinco dias, mas que anteontem se intensificaram, diz a Organização das Nações Unidas. O acesso dos residentes a água potável está limitado, há cortes de energia e danos na rede de distribuição, começando a surgir os apagões. Hospitais e empresas recorrem já a geradores, mas o combustível já escasseia.
Enquanto isso, o Hamas e outros grupos militantes da Palestina continuam a disparar rockets contra Israel, que ativaram as agudas sirenes de alerta em Telavive, Yavne, Sderot, Rahat e outras cidades da costa israelita. Nove pessoas foram mortas em Israel, incluindo uma criança - e os números sublinham a habitual desproporção de forças entre as duas partes belicistas.
"O Hamas vai pagar"
"O Hamas vai pagar um preço alto pelos ataques a Israel", disse o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu. "Ainda não foi dita a última palavra desta operação, que só terminará quando for necessário", ameaçou. O exército ordenou o envio de três brigadas para a fronteira com Gaza, enquanto mobilizou mais nove mil reservistas.
O Tribunal Penal Internacional já fez saber que está a acompanhar a situação e que os possíveis crimes de guerra seriam incluídos na investigação aberta em Haia contra Israel e o Hamas.
Autoridades do Hamas sinalizaram entretanto estar prontas para um cessar-fogo, revelou a estação de TV Al Jazeera, mas Israel mantém a sua rejeição à trégua enquanto os rockets continuarem a cair em Israel.
"Rockets" a partir da Síria
Três "rockets" foram disparados desde a Síria contra Israel, ontem à noite, os primeiros desde o início da escalada de violência entre os israelitas e o Hamas, de acordo com fonte militar.
EUA vão mediar
Um enviado do Governo dos EUA, o subsecretário-adjunto para os Assuntos Palestinianos e Israelitas, chegou ontem a Telavive, Israel, para tentar mediar o conflito. Os EUA querem "reforçar a necessidade de trabalhar em prol de uma pacificação sustentável, reconhecendo a Israel o direito à autodefesa", diz um comunicado da Embaixada dos EUA em Jerusalém.
Perguntas frequentes
O conflito é novo?
Não. Tem raízes complexas na fundação do Estado de Israel em 1948 e após a guerra de seis dias em 1967, quando Israel capturou partes de Jerusalém aos árabes, incluindo a Cidade Velha. Israel diz que Jerusalém é a sua "capital indivisa", mas a comunidade mundial não a reconhece e os palestinianos rejeitam-na e querem Jerusalém Oriental para capital do futuro estado palestiniano.
E porque reacendeu?
O conflito é latente, mas agora subiu de tom quando judeus usaram os tribunais para expulsar palestinianos do bairro Sheikh Jarrah, que ali vivem desde 1948. Os judeus alegam que, antes disso, as terras eram suas.
E houve mais reptos?
Sim. A 10 de maio, ultranacionalistas israelitas fizeram a sua "marcha da bandeira" anual junto à mesquita al-Aqsa, gritando "morte aos árabes". Os palestinianos responderam com pedras e a Polícia de Israel disparou gás lacrimogéneo e granadas.
E os rockets do Hamas?
O disparo de rockets sobre Israel foi a resposta palestiniana. Há ainda a rivalidade intrapalestiniana: de um lado está a Fatah, do presidente Mahmoud Abbas, que governa a Cisjordânia; do outro, o Hamas, que governa Gaza, e quer assumir a liderança da opinião pública palestiniana.
Há fatores externos?
Sim. A mudança de liderança nos EUA, com a saída do pró-israelita Trump e a alteração na dinâmica de poder entre os estados do Golfo. Há ainda a crise política em Israel, que a Palestina quer aproveitar.
Há um fim à vista?
Não, as partes são irredutíveis. Nem Hamas nem Israel mostram ter visão estratégica sobre o fim do conflito ou o estabelecimento da política de dois estados, como proclamada em Oslo, em 1993.