Oito recém-nascidos abandonados no México, onde falta educação sexual e acesso a contraceção
Foram registados pelo menos oito casos de abandono de recém-nascidos nas ruas do México, nos últimos sete meses.
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Um carro que seguia na rua parou na berma, uma mulher saiu do interior, agachou-se e, em poucos minutos, deu à luz uma menina, que deixou na rua. A cena, filmada por uma câmara de vigilância e divulgada por todo o México, é o mais recente caso de abandono de recém-nascidos à beira da estrada, no México. Nos últimos seis meses, de acordo com o jornal espanhol "El País", foram registados oito casos semelhantes em todo o país.
O cenário é sintoma de um problema estrutural que, segundo os especialistas, sempre existiu mas que se está a tornar mais evidente devido a fatores como a falta de educação sexual no país e a criminalização do aborto para lá das 12 semanas.
De acordo com a Rede pelos Direitos das Crianças do México (REDIM, na sigla em espanhol), entre 2020 e 2024, pelo menos 5790 menores foram sinalizados como vítimas de abandono ou negligência e cerca de 1282 foram hospitalizados pelos mesmos motivos só em 2024. Estes dados revelam um aumento de 616% em relação a 2010. No que diz respeito aos bebés, os casos de abandono em hospitais administrados pelo Ministério da Saúde aumentaram de 50, em 2020, para 107, em 2024.
No verão, dois casos chocaram o México. No dia 23 de agosto, no bairro de Tacubaya, em Miguel Hidalgo, um bebé de quatro meses foi encontrado na rua em hipotermia. Os pais foram presos. Dois dias depois, uma recém-nascida foi abandonada na casa de banho de uma estação de metro. A criança morreu poucos dias depois.
Outro caso polémico envolveu dois jovens, de 18 e 21 anos, que abandonaram um recém-nascido após um aborto induzido.
"Revogar completamente o crime de aborto"
"O envolvimento de jovens neste tipo de casos deve ser devidamente analisado e não devemos focar-nos apenas na sentença, mas analisar os fatores que levam os adolescentes a cometer esse ato e usar esse conhecimento para desenvolver políticas públicas de apoio", defendeu o presidente da REDIM, Rafael Castelán, em comunicado ao "El País".
Segundo Castelán, os fatores que ajudam a compreender esta realidade são a falta de preparação dos professores para educar os estudantes em relação ao tema, os preconceitos sociais que impedem o exercício livre da sexualidade e dos direitos reprodutivos no país e a dificuldade em obter métodos contraceptivos.
Ninde Molre, diretora da iniciativa "Abortistas MX", aponta também a criminalização do aborto como causa deste flagelo e enfatiza que o abandono de recém-nascidos demonstra que continuar a criminalizar a prática após as 12 semanas de gestação (o aborto é legal no primeiro trimestre na Cidade do México e em 15 dos 31 estados) é um problema. Coletivos e organizações civis têm exigido a reforma dos 33 códigos penais do México para "revogar completamente o crime de aborto voluntário".
A especialista em género e direito pela Universidade Nacional Autónoma do México sublinha que nem todas as gestações são iguais e que nem todas as mulheres apresentam sintomas ou param de menstruar: "Muitas nem sabem que estão grávidas até à hora do parto."
De acordo com Molre, é importante perceber que nem todas as gestações ocorrem da mesma maneira e que muitas são resultado de violência sexual ou de falhas nos métodos contracetivos. Assim, a criminalização do aborto depois das 12 semanas constitui uma barreira para as mulheres que descobrem a gravidez depois deste período.
Luis Peña, chefe da Direção.Geral de Representação Júridica e Restituição de Direitos da Criança e do Adolescente, citado também pelo "El País", acredita que o sistema público de saúde está a trabalhar no sentido de melhorar o acesso a abortos seguros e acessívieis mas afirma que há opções para as grávidas que não conseguem terminar a gestação legalmente.